Empresa criada pelo Sr. Matsuda até à bomba atómica resistiu

Fabricante viu instalações arrasadas a 6 de agosto de 1945, mas quatro meses depois já produzia. Hoje, ajuda o Japão a ser o líder nos automóveis.

Um robô transporta o vidro, outro espalha a cola nas borrachas, um terceiro encaixa-o na frente do carro. Precisão absoluta. O CX-5 continua a avançar na passadeira rolante que faz parte da linha de montagem da grande fábrica que a Mazda tem em Hiroxima, onde a empresa nasceu há quase um século.

Dois operários tinham pouco antes colocado os forros do chão e do tejadilho, trabalho que exige ainda intervenção humana, e agora novos robôs vão instalar as portas do automóvel. Uma placa explicativa, à entrada da plataforma elevada onde os visitantes podem estar, garante que um carro é construído em 2,5 dias, mas que em caso de acumulação de encomendas o processo pode ser acelerado para 1,8 dias nesta linha de montagem que comporta vários modelos. Antes do CX-5 vermelho, seguia um descapotável cinzento, talvez um MX-5, e depois vem um carro mais pequeno, branco. É possível que algum deles acabe à venda em Portugal, levado por um dos navios que esperam no cais próximo. O cargueiro pode transportar seis mil carros e demorará 35 dias até à Europa, via Suez.

Num país conhecido pelas grandes marcas automóveis, desde a Toyota à Honda, a Mazda ocupa um lugar especial por ter sido essencial na recuperação de Hiroxima depois da bomba atómica que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial. Um pequeno filme exibido aos jornalistas conta que o ataque americano coincidiu com o 70.º aniversário de Jujiro Matsuda, o fundador da empresa, e que a fábrica ficou arrasada, morrendo centenas de trabalhadores. Mas quatro meses depois da tragédia de 6 de agosto de 1945 a produção da Mazda tinha já recomeçado, ajudando não só a dar esperança à população de Hiroxima (onde a bomba matou dezenas de milhares) como ao milagre económico japonês. O país chegou a ser a segunda maior economia, só atrás dos Estados Unidos, e agora é a terceira, depois de em 2010 ter visto o PIB da China ultrapassar o seu.

"Esta ponte pertence à Mazda. Já foi a ponte privada mais extensa do mundo", explica, a bordo de um autocarro da Mazda (e de marca Mazda, claro!), Aiaka Yamamoto, que serve de guia na visita. E vai apontado os dois quartéis de bombeiros a funcionar 24 horas sobre 24 na fábrica, os três silos capazes de armazenar 11 mil automóveis prontos a exportar, a central de energia própria, a estação de tratamento de águas, os vários cais. Ao todo, são 233 hectares, na zona Sul de Hiroxima, onde desaguam os seus seis rios. É também Yamamoto que explica que a empresa nasceu com o nome de Toyo Kogyo em 1920 e só em 1984 mudou para Mazda Corporation. Mas a marca comercial sempre foi Mazda, como mostra um triciclo motorizado de 1932, o Mazdago, que existe no museu da companhia. E porquê Mazda? Por causa do deus da Pérsia? "Sim, com a sua sabedoria, mas também por soar como nós os japoneses dizemos Matsuda, o apelido do fundador", explica a relações-públicas . E é verdade. As pessoas com que falei pronunciam "Mazuda" em vez de Mazda.

"Estou impressionado", diz Lin, um jovem de Singapura que aproveitou a vinda a Hiroxima para dar um pulo ao museu da Mazda. "O meu pai tem um Mazda e por isso tenho curiosidade de saber mais sobre a marca, mesmo que tenha vindo visitar sobretudo o Museu da Bomba Atómica", acrescenta.

Já o casal americano que tira fotos a todos os modelos, do R360 de 1960 ao moderno Demio com motor elétrico, esclarece que "dificilmente compraria um carro japonês, mas admiro a tecnologia". Quem fala é Ron, que explica que tem um Ford e que apoia o presidente Donald Trump quando este apela a que os americanos comprem americano. "Isto não é nada contra os japoneses. Como povo são fantásticos. Estivemos em Tóquio e em Quioto antes de vir aqui por causa da bomba e se pudermos voltaremos. Mas a economia dos Estados Unidos precisa de nós, dos nossos dólares."

Em Hiroxima, os Mazda abundam nas estradas. A Toyota compete forte, mas não domina como em Tóquio. Carros de marca estrangeira, sejam americanos ou europeus, são poucos. E Trump, que há dias recebeu o primeiro-ministro Shinzo Abe, tem insistido no défice comercial dos Estados Unidos com o Japão, no qual o setor automóvel tem responsabilidades. No ano passado, foram exportados 1,6 milhões de carros japoneses para os Estados Unidos, enquanto só foram comprados 19 mil americanos no Japão.

"Percebe-se que Trump esteja zangado. Está muitas vezes e por muitas razões, mas nesse caso trata-se de uma escolha dos consumidores. Os americanos gostam de carros japoneses, os japoneses também", comenta Aoyama Naoatsu, do Asahi Shinbum. O jornalista, especializado na indústria automóvel, sublinha que "há carros japoneses vendidos nos Estados Unidos que são lá fabricados". E essas fábricas empregam milhão e meio de americanos.

Quanto à Mazda, que já chegou a ter uma parceria com a Ford, as suas vendas nos Estados Unidos vão bem. Quase 22 mil carros em janeiro de 2017, um pouco acima de 2016. Por ano, no mundo, são 1,5 milhões de automóveis, o que faz da empresa a 15.ª a nível global. Um orgulho para o senhor Matsuda, o genial filho de um pescador de Hiroxima, como alguém aqui me contou.

Em Tóquio, Hiroxima e Nagasáqui, o DN viajou a convite do MNE do Japão

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