Em Bruxelas, o Brexit em Janeiro é "99,9% uma certeza"
Bruxelas prepara-se para iniciar as discussões sobre a relação futura com o Reino Unido, num período "muito curto" de 11 meses, em que "nem tudo" será possível fazer. Com o prazo da terceira extensão a esgotar-se, admite-se que o período de transição que se seguirá pode deixar em aberto "questões importantes". Neste momento, não é de excluir o recurso ao backstop da Irlanda, se no final das negociações da próxima fase, houver pontas soltas.
O Parlamento britânico debate a partir desta sexta-feira o projeto de lei para implantação do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia. Estrasburgo ficará a aguardar que a legislação seja ratificada pela Rainha Isabel II, o que não deverá acontecer antes de 26 de janeiro. Depois, o Parlamento Europeu poderá então aprovar ou rejeitar o acordo de saída, já que ficou decidido que a palavra final seria dos eurodeputados. A votação está agendada para 29 de janeiro, de modo a permitir o Brexit dois dias depois.
Porém antes daquela data, em meados de janeiro, na sessão plenária de Estrasburgo, o Parlamento Europeu pretende aprovar uma resolução com "exigências", relativas ao respeito pelos direitos dos cidadãos europeus que residem no Reino Unido, porque subsistem as dúvidas quanto ao modelo de aplicação do sistema de reconhecimento dos direitos dos cidadãos.
"Nós gostaríamos que esse sistema fosse mais ágil, mais simplificado e que desse mais garantias aos cidadãos de que os seus direitos são efetivamente protegidos", afirmou ao DN o vice-presidente do Parlamento Europeu e membro do grupo coordenador para o Brexit, Pedro Silva Pereira (PS).
O plano pode passar por "entregar uma Green Card da UE a todos os cinco milhões de cidadãos da UE no Reino Unido e aos britânicos na Europa", afirmou o coordenador do Brexit no Parlamento Europeu, Guy Verhofstadt, convicto que a medida "ajudaria bastante a preencher a lacuna entre a teoria e as realidades quotidianas que os cidadãos enfrentam".
"Todos presumem que o Parlamento Europeu dará automaticamente o seu consentimento ao Acordo de Retirada", apontou Verhofstadt, avisando que a aprovação não será dada "se os problemas com os direitos dos cidadãos não forem resolvidos primeiro".
Porém, a palavra "incerteza" a que o negociador da União Europeia, Michel Barnier tantas vezes recorre para definir o Brexit, deu lugar ao seu oposto nas instituições entre Bruxelas e Estrasburgo. E a saída do Reino Unido na data marcada é agora tida como uma certeza, com "99,9% de probabilidades" de acontecer, como afirmou ao DN, o eurodeputado português Paulo Rangel (PSD).
Mas, sobre a conclusão das discussões para a relação futura, considera "um pouco ambicioso e até utópico pensar que um acordo comercial pode ser celebrado nesse tempo", existindo "o risco de chegarmos ao fim e não haver acordo nenhum".
A alternativa, que não considera melhor, passaria pelo "risco de, para ter um acordo, haver cedências que acabem por ser contraproducentes, criando a ideia de que é melhor estar fora do que dentro".
A dificuldade para a negociação de um acordo sobre uma futura relação comercial entre o Reino Unido e a União Europeia prende-se principalmente com o princípio que está subjacente à necessidade desse acordo, ou seja, "habitualmente, nos acordos comerciais, o que é regulado é a convergência".
Mas neste caso "vamos regular a divergência", salienta Silva Pereira, afirmando que "eles querem sair da União Europeia porque querem ter regras diferentes. "Se a divergência for muito grande" e ameaçar a integridade do mercado único, os padrões ambientais, sociais e culturais da União Europeia, "evidentemente temos que ter mais restrições às trocas comerciais com o Reino Unido e mais controlo nas fronteiras", salientou o vice-presidente do Parlamento Europeu, vincando que, também por isso, os 11 meses que restam para fechar um tipo de acordo que normalmente "leva anos" podem ser insuficientes.
"Portanto, não é de excluir que, chegado ao final de 2020, o cenário de um Brexit sem acordo volte a estar em cima da mesa", afirmou o deputado, corroborando as palavras da própria presidente da Comissão Europeia.
"O calendário que temos pela frente é um grande desafio, já que o prazo de conclusão previsto é dezembro de 2020. Se não conseguirmos concluir um acordo até final de 2020, ficaremos outra vez à beira do precipício e isto seria mau para os nossos interesses, mas teria mais impacto para o Reino Unido", admitiu Von der Leyen, na mais recente declaração, perante os eurodeputados na sessão plenária, em Estrasburgo.
Experiente nas negociações com o Reino Unido, Michel Barnier também vê o tempo a escassear para concluir o acordo. "Francamente, com um prazo tão limitado - já ouvimos o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, dizer que não vai querer pedir um prolongamento do período de transição, apesar de ser possível até 31 de julho e poder ser estabelecido por comum acordo - não será possível fazer tudo", admitiu Barnier.
Ciente da urgência das negociações, a presidente da Comissão afirmou que é preciso "aproveitar ao máximo o pouco tempo que temos", de modo a que "a 1 de fevereiro" possa ser dado "um novo mandato para as negociações".
"Isto não é o fim de algo, é o princípio de novas relações entre vizinhos e quero que sejamos bons vizinhos", comentou, recorrendo a uma frase do antigo presidente do Conselho Europeu Donald Tusk. "Tenho a dizer que lamento, vamos sentir a vossa falta", embora "nunca" venha a sentir "a falta dos que gritam e berram", disse, parecendo referir-se principalmente ao deputado do Partido do Brexit Nigel Farage.
O coordenador do Parlamento Europeu para o Brexit fez referência "aos que sentirão saudades dos amigos britânicos", esclareceu com ironia certeira que o homem que é o rosto parlamentar do Brexit em Estrasburgo não sentirá falta: "I won't miss Mr. Farage", declarou através da rede social Twitter.