Economia melhora e política piora nos primeiros nove meses de Temer
Governo acena com números positivos da inflação e da bolsa para anunciar "fim da recessão". Em paralelo, as tentativas de bloquear a Lava-Jato sucedem-se. E devem continuar
Quem lê os principais diários do Brasil, que como noutros países se dividem no caderno principal, dominado pela política, e no segundo caderno, em que reina a economia, tem a sensação de viver em dois países diferentes. Nuns, os económicos, as boas notícias. Nos outros, os políticos, os escândalos. Os primeiros nove meses de Michel Temer, do PMDB, na presidência do Brasil, após o traumático impeachment de Dilma Rousseff, do PT, têm sido marcados por avanços numa área e retrocessos na outra, partindo do princípio de que elas são dissociáveis.
"A recessão já terminou", anunciou com uma pompa algo desmedida, segundo comentadores económicos, o ministro das Finanças na última quarta-feira. De acordo com Henrique Meirelles (PSD), "o Brasil voltou a crescer depois de enfrentar a maior recessão da sua história, a retomada da confiança é impressionante".
O índice de confiança empresarial subiu, de facto, acima de 36% e o do consumidor 6,5% nos nove meses da gestão de Temer e de Meirelles. Na véspera da intervenção do ministro, a bolsa de valores atingira o patamar mais alto em seis anos, graças em parte à recuperação do preço das commodities. O dólar, que batia nos 3,5 pontos no fim da era Dilma, caiu 10,48% sob o novo governo. A taxa básica de juros de 14,25 passou a 13 pontos. Em maio do ano passado, o índice que mede o Risco Brasil estava 26,1 pontos acima dos dados de fevereiro deste ano.
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Economistas ouvidos pela imprensa puxam o travão de mão na euforia. Mas, de uma maneira geral, demonstram otimismo: "O Brasil segue vulnerável mas aquela sensação de que era um comboio desgovernado a caminho de um precipício já não existe", disse ao jornal O Estado de S. Paulo Armínio Fraga, antigo presidente do Banco Central e ministro das Finanças caso Aécio Neves (PSDB) tivesse ganho as eleições de 2014. Mesmo com o desemprego a atormentar mais de 12 milhões de brasileiros e o crescimento lento do PIB, o consultor Alexandre Schwartsman elogia a equipa económica do governo: "Fizeram mais do que eu imaginava."
Para as esperanças do mercado contribuíram em larga medida a aprovação no Congresso Nacional de um limite de gastos em saúde e educação, que por sua vez deixou de cabelos em pé a oposição e movimentos sociais, e a provável votação favorável de uma reforma na segurança social a ser levada a plenário nos próximos meses, com potencial para dividir a opinião pública ao meio. Temer, que fez a carreira política em Brasília, tem mantido sob controlo os congressistas - e esse é simultaneamente um dos seus maiores méritos e defeitos.
Para obter votos do Parlamento, o governo precisou de, em troca, ceder ministérios aos partidos da sua extensa base de apoio que apontaram quadros de qualidade duvidosa. Mas os cargos ocupados pelos seus homens de confiança também têm dado mais dores de cabeça: entre os seis ministros que caíram estão três dos seus íntimos, Romero Jucá, Henrique Eduardo Alves e Geddel Vieira Lima, todos do PMDB e todos citados na Lava-Jato. O próprio Michel Temer foi nomeado 43 vezes pelo primeiro de mais de 70 delatores da construtora Odebrecht.
Proteção contra a Lava-Jato
Com o fantasma da Lava-Jato no horizonte, Temer protege-se sem rodeios. Para Moreira Franco (PMDB), que funcionava como uma espécie de ministro sem pasta, criou um ministério à sua medida de modo a conceder-lhe foro privilegiado e pô-lo a salvo do juiz de primeira instância Sérgio Moro. No lugar deixado vago no Supremo Tribunal Federal pelo falecido juiz Teori Zavascki nomeou Alexandre de Moraes, até então ministro da Justiça e a quem é pedido agora que julgue os seus ex-colegas de governo. A liderar a comissão do Senado que tem de aprovar a indicação de Moraes, estará, por decisão do PMDB, outro envolvido na Lava-Jato, Edison Lobão.
"É um escárnio o partido do presidente da República colocar Lobão (...) O PMDB e Temer animaram-se, sobrestimaram a própria força e passaram a agir como se não devessem satisfações a ninguém, nem à opinião pública. Errado", resumiu a jornalista de O Estado de S. Paulo Eliane Cantanhêde. Entrevistado pelo jornal Folha de S. Paulo, o presidente do banco BR Partners Ricardo Lacerda também mostrou preocupação com os últimos passos de Temer e do seu partido: "Há um temor no mercado de que o governo use o seu capital político para livrar a cara de aliados em vez de aprovar reformas, as coisas na economia podem estar no caminho certo mas não acho que vão bombar ao ponto de salvar a política do buraco."
Em São Paulo