"É provável que dentro de uns anos o bipartidarismo volte a Espanha"
Faz hoje um ano que os espanhóis foram às urnas e que começou um bloqueio político que durou mais de dez meses. O que mudou em Espanha desde então?
Foi um ano durante o qual aprendemos a ter um sistema político mais plural, que gerou grande instabilidade. Espanha estava acostumada a um sistema bipartidário, que acabou por estourar, e obrigou-nos a aprender a fazer política a quatro. Mas convivemos com uma grande instabilidade que quase levou a umas terceiras legislativas [as segundas foram a 26 de junho].
O que ganhou e perdeu Espanha com esta mudança política?
Ganhou no que se refere à sensibilidade dos partidos políticos aos temas sociais e à corrupção. São agora mais sensíveis. A parte negativa é que se tratou de um processo lento, pois estivemos um ano sem governo. Mas a mudança era necessária.
Os dois novos partidos, Ciudadanos e Podemos, estiveram à altura neste novo contexto?
O Ciudadanos, depois dos resultados eleitorais de há um ano, percebeu que é um partido que deve ser útil à sociedade para não desaparecer. Procuraram o acordo com o PSOE e depois com o PP. No caso do Podemos é um partido que recolhe a fragmentação da esquerda. Cresceu pelos conflitos territoriais de Espanha e a sua obsessão é ser o primeiro partido da esquerda, à frente do PSOE. Mas tem uma crise de crescimento e em algum momento vai ter as suas próprias contradições. Um e outro, quando a crise passar, vão diluir-se com o tempo. As causas da sua luta vão desaparecer.
Quer isso dizer que dentro de dez anos Espanha pode voltar a ter um sistema bipartidário?
É muito provável que Espanha volte ao bipartidarismo porque são os únicos dois partidos que têm estrutura nacional.
Como está o PSOE?
Está a reinventar-se. Sofreu muito com a crise e também com a aparição dos novos partidos. Agora necessita de um programa à medida e a longo prazo. José Luis Zapatero cometeu um erro ao pôr em causa o sistema territorial e assim nasceu o Podemos. Pedro Sánchez teve uma oportunidade de ser líder da oposição e reconstruir um partido, mas não soube aproveitar a situação. Se o PSOE conseguir lidar com o tema territorial pode dar-se bem.
Mas os socialistas ainda precisam de encontrar um bom líder...
Sim, nos últimos anos o PSOE escolheu como líderes deputados pouco conhecidos. Com Zapatero correu bem, mas as eleições de 2004 ocorreram em circunstâncias especiais. E com Sánchez foi diferente. Penso que a fórmula dos socialistas deve ser procurar um líder com mais peso dentro do partido, mais do que novos jovens. E duvido que seja Susana Díaz [presidente da Junta da Andaluzia] a próxima secretária- geral do partido.
Mas os militantes podem escolher de novo Pedro Sánchez?
Acho difícil que seja ele de novo a controlar o partido. O peso do aparelho do partido é muito grande e tem muito que dizer. Sánchez beneficiou da divisão nos socialistas para ser eleito.
E o PP, de Mariano Rajoy, está agora mais forte?
O PP tem uma vantagem. A direita muda pouco, aceita bem as normas. Não se mexe e observa o espetáculo da esquerda, ganha pela derrota do seu adversário. A esquerda esteve sempre muito dividida em Espanha, com exceção para os tempos de Felipe González, em que ele conseguiu governar.
Rajoy também saiu reforçado neste último ano?
Jogou bem as suas cartas. Utilizou os meios de comunicação para destruir a esquerda. Um terço dos eleitores têm mais de 60 anos e procuram estabilidade. Por isso, votam em Rajoy.
Conta com uma equipa de governo mais forte do que na anterior legislatura?
Vai ser uma equipa de gestão, não existe debate político. Os ministros eleitos não têm projeção política.
Um dos temas mais delicados a tratar será o da Catalunha. Como espera que se resolva?
Ninguém sabe o que se vai passar, nem os catalães nem a Moncloa. Também penso que com o tempo o problema vai diluir-se. Fenómenos como a CUP, antissistema, anticapitalista... parece um partido do século XX e não do XXI. É uma coisa extraordinária na Europa. Acredito que não vamos ter posições de rutura porque seria negativo para as partes todas.
Espera que a legislatura chegue ao fim?
Vai durar até os socialistas terem forças para se apresentar a outras eleições. Agora, o PSOE está frágil e vai apoiar Mariano Rajoy no Orçamento do Estado de 2017. Mas no final do próximo ano ou no final de 2018 a situação pode ser diferente, o PSOE pode estar mais forte e deixar de apoiar os orçamentos de Rajoy.
Como é que esta crise política afetou um jornal digital como é 'El Confidencial'?
O leitor procurou neste último ano muita informação política e passámos de um jornal mais económico a um diário mais político. Crescemos em leitores e o jornal é mais rico do ponto de vista da informação. Soubemos adaptar-nos à nova realidade.
Em Madrid