Do Vale da Morte a Omã, as temperaturas que deixaram o mundo a escaldar
Por 90 anos a Líbia manteve um recorde só batido em 2012 pelos Estados Unidos, o da temperatura do ar mais alta já registada. Um novo recorde singular. Não só a temperatura extrema desceu perto de 1 ºC face ao valor anterior, como foi registada nove anos antes, em 1913. Um campeonato mundial escaldante onde Portugal também não deixa créditos em mãos alheias.
Não fossem as mulas que na transição do século XIX para o XX faziam o transporte de minério no inóspito território do Vale da Morte, nos Estados Unidos da América, e dificilmente associaríamos um dos lugares mais inóspitos da Terra a uma fantasia verdejante com o nome de Greenland Ranch.
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Na década de 1880, a exploração de borato de sódio prosperava naquele território desértico do Sueste da Califórnia. O transporte do mineral em carroças contava com a força equídea. Uma multidão de mulas exigia correspondente porção de pasto. Em Greenland Ranch nascia um oásis de alfafa. Isto, numa região onde a média de precipitação anual não supera os 50 mililitros por metro quadrado - enche uma chávena de café.
Na época, o lugar não verdejava apenas com os seus campos de alfafa. Recebia também uma estação meteorológica associada ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Corria 1911 e os registos diários traduziam em números o que era uma evidência: Greenland Ranch que, mais tarde, na década de 1930, viria a denominar-se Furnace Creek Ranch, é quente. Muito quente, com as médias das máximas das temperaturas no mês de julho nos 46 ºC e as mínimas a rodarem os 31 ºC.
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Seria, precisamente, um mês de julho, mais precisamente o dia 10, do ano de 1913, que forjaria para Furnace Creek um lugar na história meteorológica mundial. O momento não só entregou à região o título de lugar da Terra com a temperatura mais alta até hoje registada, uns tórridos 56,7 ºC, como arrancou das mãos de uma outra região africana um título que segurava há 90 anos.
A comunidade meteorológica mundial acordou - não com consenso - com o assentimento da Organização Meteorológica Mundial que El Azizia, na Líbia, seria desclassificada por falta de fidedignidade nos registos. A localidade perdia o recorde de temperatura mais alta do ar registada no planeta, 58 ºC. Em 2012, pôs-se termo a uma história meteorológica nascida a 13 de setembro de 1922 e que, por nove décadas, figurou nos feitos da natureza inscritos no World Guiness of Records.

Na Líbia as temperaturas terão chegado aos 58 graus
© AFP
Furnace Creek não conquistou apenas um lugar no pódio. Juntou-lhe outro feito, com o recorde da temperatura natural, no solo, mais elevada registada no nosso planeta: 93,9 ºC (a água pura entra em ebulição aos 100 ºC). Estávamos a 11 de julho de 1972.
Mas próximo, na linha do tempo, a localidade de Curiate, em Omã, chamou para si a atenção da comunidade meteorológica mundial. O dia 26 de junho de 2018 sofreu o impacto de uma massa de ar quente e húmida sobre a Península da Arábia. No decurso de 24 horas completas, a temperatura não baixou dos 42,6 ºC. Nesse mesmo período, o pico de temperatura alcançou os 49,8 ºC.
Ligeiramente mais modesta, mas capaz de ombrear com os campeões mundiais das temperaturas, o "acelerador" de calor que é a Península Ibérica, ajeita-se às medalhas. Em Portugal, a de 1 de agosto de 2003, a vila alentejana de Amareleja espevitou os termómetros até aos 47,3 ºC.
Valores mais modestos, mas ainda na casa do superlativo, os que encontramos registados pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para a cidade de Lisboa, a 2 de agosto de 2008. A capital lusa alcançava desde que se iniciaram os registos na década de 1930, os 44ºC à sombra (a medição faz-se à sombra, fora da incidência dos raios solares e a perto de um metro do solo). Mais a sul, Faro é a cidade campeã das noites tropicais em Portugal, com os 32 ºC de mínima (registada de madrugada) a estabelecerem recorde nacional a 26 de julho de 2004.

Amareleja bateu recordes de calor em 2003
© Pedro Velez/Arquivo DN
Na vizinha Espanha, a temperatura do ar mais alta registada tocou nos 47,3 ºC em Montoro (província de Cordova). Aquém dos 48 ºC alcançados em Atenas, na Grécia.
Nem mesmo os dois extremos polares do nosso planeta se esquivam às tabelas recordistas. A Organização Meteorológica Mundial está a fazer a verificação de um novo recorde de temperatura acima do Círculo Polar Ártico. Qualquer coisa como 38 ºC, a 20 de junho de 2020, na cidade russa de Verkhoyansk.
Nos antípodas, a Península da Antártida viu subir a temperatura do verão austral a uns "escaldantes" 18,4 ºC. Isto a 6 de fevereiro de 2020. Não é muito diremos com a autoridade que nos dá o nosso verão de 30 ºC. Contudo, nas latitudes meridionais, as temperaturas variam entre os 30 °C e -65 °C.
Concluindo com uma nota de frescura, após um périplo infernal, que fique para memória futura a temperatura do ar mais baixa já registada no planeta Terra. A Antártida põe-se em bicos dos pés: -89 °C, documentados na base russa de Vostok, a 21 de julho de 1983.