Depois do murro na mesa nos abusos, o desafio do Papa é o deserto de ordenações

Uma Igreja manchada pelos casos dos abusos sexuais é o desafio imediato para Francisco. Falta saber se terá capacidade para ir mais além e enfrentar a necessidade de ordenar mulheres e homens casados.

É um Papa acossado aquele que chega esta quarta-feira ao Panamá para as Jornadas Mundiais da Juventude, onde vítimas de abusos sexuais costa-riquenhas querem encontrar-se com Francisco, para denunciar o alegado encobrimento do seu caso por um arcebispo daquele país da América Latina.

Dentro de menos um mês, de 21 a 24 de fevereiro, no Vaticano, o Papa recebe os bispos que presidem às conferências episcopais "para falar sobre a prevenção de abusos contra menores e adultos vulneráveis". E este "encontro de fevereiro vai ser decisivo" para a forma como o Papa vai resolver esta questão dos abusos de menores na Igreja, aponta José Maria Brito, padre jesuíta.

Depois de um anno horribilis, no qual tentaram envolver o bispo de Roma no caso dos abusos sexuais de menores, Francisco já deixou sérios avisos, no Natal passado, ao avisar que a Igreja "nunca mais encobrirá ou desvalorizará" os abusos praticados por padres e religiosos e assegurando que "não se cansará de levar os abusadores à Justiça".

Aos bispos de todo o mundo, o Papa deixou o pedido de que as conferências episcopais ouçam as vítimas dos seus países antes de se deslocarem a Roma, como o próprio Bergoglio fez nas suas viagens (foi assim no Chile, no início de 2018, ou na Irlanda).

Este é um caso que desde o início do século mina os alicerces da Igreja, e "é um problema que não é de Francisco, é uma herança que recebeu", atalha frei Bento Domingues ao DN. "É um problema já identificado e está identificado como se combate. O Papa já deu o golpe quando responsabilizou os bispos pelo futuro. É um bispo entre os bispos."

Como também defende José Maria Brito: "Este é mais do resto da Igreja que do Papa. O Papa tem sido claro." Para explicar melhor: "A questão dos abusos continuará a ser essencial para a Igreja como corpo. O Papa tem feito o seu papel e continuará a fazê-lo, mas este 2019 será o ano em que cada Igreja local será chamada a responder ao que o Papa venha a pedir."

Apontando o dedo aos setores ultraconservadores, Bento Domingues nota que "quiseram envolver" o Papa Francisco na mancha que se espalhou na Igreja, dos EUA à Irlanda, do Chile à Austrália. "Há um financiamento enorme para o ataque ao Papa", acrescentou, de gente que procura que o próximo bispo de Roma "não seja alguém na linha" de Jorge Maria Bergoglio.

E este é o desafio do Papa argentino: "Seguir o caminho que tem feito até aqui", defende o teólogo dominicano.

A desertificação que a Igreja enfrenta

Nesse caminho, há um desafio bem maior para Francisco, considera Bento Domingues. "O maior problema é o da desertificação dos ministérios", que pode ser resolvido pela "ordenação de mulheres e de homens casados". "O problema é se o Papa vai ter ajudas suficientes para avançar", nomeadamente do episcopado ou de leigos.

Para José Maria Brito, neste ano de 2019, "um dos grandes desafios será, partindo de toda a informação que o Papa pode recolher, através do processo de escuta que se gerou no Sínodo, perceber qual a forma mais efetiva de devolver essa informação à Igreja, procurando formas que garantam que uma Igreja mais sinodal e, por isso, com responsabilidades mais partilhadas e assumidas por todos possa ser cada vez mais irreversível".

Para este 2019, o documento preparatório do sínodo especial dos bispos, dedicado à Amazónia, propõe um debate sobre a criação de "novos ministérios" para as comunidades sem padres, tendo em conta a celebração dominical das missas. "É preciso identificar o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher, levando em conta o papel central que hoje desempenham as mulheres na Igreja amazónica", exemplifica o texto divulgado em junho pelo Vaticano.

Estes exemplos não se restringem à Igreja na imensidão da floresta da América do Sul. Bento Domingues lembra que "o problema da desertificação é sobretudo na Europa". "No outro dia estava a celebrar com cinco padres que deixaram o exercício porque não podiam casar-se. Dizem que não há vocações, mas havia imensas. Não as deixaram ser", nota o dominicano.

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