Dennis Borba: cowboy, matador e duplo em Hollywood
No meio do nada, mesmo no meio do nada. O rancho de Dennis fica perto de Valley Springs, com a Sierra Nevada no horizonte e já a menos milhas do Parque Nacional Yosemite do que de São Francisco. Pelo caminho, pequenos recortes nas colinas verdes e estruturas abandonadas nos campos. Há de dizer-me que é o que sobrou da febre do ouro na Califórnia. Estamos em pleno gold country.
Dennis espera-me à porta do rancho, à beira da estrada, numa enorme pick-up. Ainda fazemos uns bons dois quilómetros sobre terra e gravilha até chegar à casa dele. Uma casa ampla, simples e meio desarrumada, com sinais de obras - "estou em remodelações", diz-me assim que entramos na sala e antes de nos sentarmos ao balcão da cozinha para beber uma cerveja gelada e gravar uma conversa -, uma casa simples e ali ao lado um celeiro e outros espaços para arrumos, numa organização típica de um rancho dedicado à criação de gado. É a principal atividade de Dennis Clarence Borba por estes dias. "Tenho gado de carne, ganadaria brava e crio touros para rodeos. Organizo rodeos e touradas como empresário. Aqui trabalho com gado, né. Tenho 300 cabeças. E cavalos lusitanos também. Um pouco de tudo."
A história de Dennis, lusodescendente de segunda geração - os pais já nasceram nos EUA - dá matéria para mais de um livro. Os avós, açorianos, chegaram no início da década de 1920. Regressaram às ilhas em 1929, com a Grande Depressão, e insistiram no sonho americano depois do final da Segunda Guerra Mundial. O pai dedicou toda a vida, no vale de São Joaquim, Califórnia, à criação de gado para produção de leite e carne e à lavoura. E sempre alimentou a paixão pelos touros de lide, pela tourada.
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Dennis nasceu em Oakdale, perto de Modesto. O lema da pequena cidade no vale - Cowboy Capital of the World [Capital Mundial do Cowboy] -, olhado à distância, parece premonição. Num português escorreito, mas com sotaque cheio de tiques e interjeições de brasileiro e castelhano do México, explica - sem nunca tirar o tradicional chapéu de cowboy - que passou boa parte da infância e juventude à roda de touradas e touros. "O meu pai começou a festa brava aqui, em 1969, e eu fui criado no meio disso. Começou a montar as primeiras touradas nos anos 1970, e eu sempre andei entre matadores e toureiros que vinham cá. Foi uma ilusão, querer ser matador, toureiro." Seguiu o sonho, sem esquecer as raízes. "Senti sempre orgulho da parte portuguesa. Quando tinha 18 anos, talvez até antes, queria ser matador. Saí de cá, fui para o México e depois acabei por ir morar para Portugal, entre 1980 e 1985. Nessa altura ainda era novilheiro e fiz lá carreira. Em março de 1986 tirei a alternativa de matador no México, em Mazatlan, já lá vão mais de 31 anos."
Dennis completou o liceu na cidade de Escalon, onde moravam os pais e foi para sul em busca do sonho. Tinha 19 anos e lidava desde os 17, meio a sério, meio a brincar, no rancho da família e em festas organizadas pelo pai. Deixa a paisagem rural à roda de Escalon, então com pouco mais de 2500 habitantes, e vai para a Cidade do México onde viviam quase 9 milhões de almas. "Fui em 1978 e regressei para algumas touradas, como novilheiro. Depois fui para o Barreiro, em Portugal, em 1980 e 1981, com um matador chamado Armando Soares. Voltei em 1985, vivi em Vila Franca de Xira, para fazer uma campanha grande, de 17 ou 18 corridas mistas - gosto muito de Vila Franca, tenho lá muitos amigos e até digo que é a minha segunda cidade."
Neste triângulo Califórnia-México-Portugal, entra na Universidade de Modesto para aprender línguas estrangeiras - português e espanhol -, mas a paixão acaba por se sobrepor. Não foi além do primeiro ano. Conta que toureou em diversos países da "América do Sul, América Central... no México, em Portugal, incluindo Açores". Em busca de negócio, parte para o Brasil. "Vivi lá. Conheci uma mulher lá, casei, tive dois filhos, mas não deu certo. Ainda tenho casa mas deixei-a para os filhos, que nasceram numa cidade no estado de São Paulo e moram lá. No Brasil trabalhei mais com os rodeos - lá não há touradas. Estava encarregado de organizar a parte internacional, levar americanos, australianos, canadenses, para montarem nos rodeos".
E o que o levou a regressar à América? "A vida, os negócios, porque viver dos touros, como matador, é difícil. Não se consegue viver bem. A minha intenção foi sempre ser matador mas não viver fora dos Estados Unidos. A ideia era ter uma ganadaria brava e quando cheguei comprei a do meu pai."
À margem da criação de gado para produção de carne, segue a paixão dos touros de lide e inicia nova "carreira". Descobre que o jeito para lidar com os touros cara a focinho era muito apreciado em Hollywood. E assim se tornava duplo - o que lhe valeu muita dor. "Muita pancada, um osso partido, muita cornada... levei muitas! E as pancadas doem. É muito perigoso. Um touro bravo é um perigo da caramba! Fiz muita coisa de doble, várias em Hollywood. Tive sorte porque quando havia filmagem e precisavam de um toureiro ou de alguém que lidasse com touros, chamavam-me. Fiz um filme com o Kiefer Sutherland, o Cowboy Up, fiz os dos Jackass, "os malucos", fiz todas as aberturas deles." E há alguma escola de duplos para estas cenas com touros? Dennis dá uma gargalhada. "Aprendes quando estás lá... Acho que Deus me deu um dom, que é saber mexer com touros e cavalos." É arte a que já não se dedica. Mas, sobraram as histórias. "Uma vez estava a fazer um filme, perto da fronteira com o Texas, a dobrar um ator francês, o Olivier Martinez, e há uma cena em que ele morre, colhido. Eu tinha de deixar um touro bravo apanhar-me de propósito. Que coisa mais feia, né? O touro dá a volta à arena, eu agarrado aos cornos, depois parou e fiquei debaixo dele... vieram tirar o touro de cima de mim e oiço o realizador dizer: "Hei! Vamos fazer isto outra vez que a câmara não estava ligada!". Eles pagam um bom cachê, mas... não vale a pena. Hoje já não faço nada disso."
Agora passa o tempo atrás das baias como empresário de touradas e rodeos. Quando não está na estrada, dedica-se ao rancho, e é ali que está bem. "Estou um pouco isolado, mas é melhor estar aqui do que fechado na cidade. Eu gosto do campo. Dou uma volta pela ganadaria, vou ver os animais... é muita bom, muita bom. Já vivi em cidades grandes, na Cidade do México, e não sou fã. Gosto de estar assim, em campo aberto."
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Trata dos largos hectares do rancho e do gado quase sozinho. Dias tranquilos. "É acordar e começar a dar voltas aqui pelo rancho. Não tenho funcionários, faço tudo. Só quando preciso chamo por ajuda ou contrato alguém, para fazer uma cerca, por exemplo. Sábado vamos marcar e capar os animais para engorda. Então vêm aí uns amigos cowboys, seis ou sete, a cavalo, e ajudam-me a juntar os animais e levá-los aos currais."
É bom negócio? Largo sorriso, levanta a garrafa e diz que sim. "Está bom! Dá para comer e beber umas cervejas."
Há outra paixão recente que Dennis quis trazer ao final da conversa. "Eu sou do Trump! Muito! O nosso país estava muito feio. Economia e tudo, indo para baixo. Eu acho que esse presidente, se o deixarem trabalhar... vais ver a economia a ir para cima. Vais ver outros Estados Unidos. E estando bem aqui, vai estar melhor na Europa também." Vê os primeiros meses de presidência sem espaço para crítica e confessa que passou a acompanhar a atualidade política. "Todos os dias! Trump é muito inteligente nos negócios. É um pouco arrogante, mas muito inteligente. Eu acho que um país é um negócio. Se não o levas como negócio, vais quebrar." Falar com Dennis acerca de Trump é revisitar os argumentos da campanha. "Não é político, fala as coisas como elas são, gostes ou não. Já estava a fazer falta um presidente assim." No interior, nas zonas rurais, a Califórnia é bem diferente do litoral democrata, cosmopolita e liberal. Dennis recupera outro presidente querido e confessa que Trump restaurou a sua confiança na política e no voto. "Ronald Reagan levantou toda a economia. Foi um grande presidente! Eu votei duas vezes pelo Reagan e depois nunca mais votei até este ano, com o Trump. E tenho amigos que nunca tinham votado e que votaram pela primeira vez no Trump!".
Em Valley Springs. Esta reportagem foi feita no âmbito de uma parceria DN-FLAD
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