É o "momento Warren". Chegará para derrubar Trump?

Aos 70 anos, a senadora do Massachusetts tem vindo a subir nas sondagens e posiciona-se como favorita à nomeação democrata para as presidenciais de 2020 nos EUA, a par de Joe Biden e de Bernie Sanders.
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Diante de milhares de nova-iorquinos vindos para assistir ao seu comício em Washington Square, Elizabeth Warren garantia: "É o nosso momento na história, para sonharmos em grande, lutarmos arduamente e vencermos." Ora essa ideia de um "momento Warren" na corrida à nomeação democrata para as presidenciais de 2020 tem vindo a ganhar dimensão nos media americanos e também internacionais - era o título a acompanhar a foto de capa do francês Le Monde há dias -, acompanhando a subida da senadora do Massachusetts nas sondagens. Desde julho, Warren recuperou seis pontos percentuais, ultrapassando um vasto leque de opositores e consolidando-se em segundo lugar, atrás do ex-vice-presidente Joe Biden, mas à frente do senador do Vermont, Bernie Sanders.

Então, se está atrás de Biden, porque é que se fala de um "momento Warren"? Uma das razões é o apelo que a senadora tem junto dos eleitores, mesmo dos que dizem estar a pensar votar nos seus rivais. E isso dá-lhe espaço para poder crescer, sobretudo quando o grupo de candidatos ficar mais reduzido, o que vai acontecer muito em breve - Bill de Blasio, o mayor de Nova Iorque, desistiu da corrida na sexta-feira, reduzindo para 18 os adversários de Warren. Quanto aos seus apoiantes, não têm dúvidas de que as propostas concretas desta progressista são preferíveis a um Sanders visto como demasiado radical, ou às de um Biden, apontado pela ala mais à esquerda como continuação do passado.

"Não tenho medo!", exclamava Warren em Nova Iorque, a 16 de setembro, diante de uma espécie de Arco do Triunfo forrado com bandeiras dos EUA. E fez questão de sublinhar que recusa ver o seu partido escolher um candidato "em quem não acredita" - um ataque direto a Biden.

Para já, Warren está de pedra e cal no trio da frente com pelo menos 11 candidatos já apurados para o próximo debate democrata, a 15 de outubro. E basta olhar para as sondagens para se perceber que no Iowa, o estado que lança o processo das sondagens, a 3 de fevereiro, Warren surge em primeiro lugar, com 24% das intenções de voto, contra 16% para Biden e Sanders. No New Hampshire, o segundo a votos, apesar de estar em terceiro lugar, tem vindo a subir, segundo o site Five Thirty Eight.

Os ataques à "Pocahontas"

Mas nem tudo começou bem na campanha de Warren. Apontada em 2016 como possível candidata a vice-presidente de Hillary Clinton - sobretudo pelas feministas que queriam duas mulheres no ticket -, a senadora enfrentou as primeiras críticas logo em fevereiro, pouco depois de anunciar a entrada na corrida à nomeação democrata. Tudo por causa das raízes índias que reivindica e que lhe valeram a alcunha de Pocahontas pelo presidente Donald Trump. Apesar de um teste de ADN ter provado que, de facto, Warren terá um longínquo antepassado índio, a senadora esteve na mira dos media por, no passado, se ter identificado como nativa americana.

Mas, com o passar dos meses e a multiplicação dos comícios, Warren deixou para trás o discurso professoral e, por vezes, hesitante para dar ênfase às suas propostas. "Eu tenho um plano", tem repetido esta mulher de 70 anos. E se os seus apoiantes não duvidam de que a sua visão progressista é o que os democratas precisam para tirar Trump da Casa Branca. Muito mais do que o discurso moderado de Biden, cuja idade - faz 77 em novembro - também preocupa muitos eleitores. "Biden é a escolha daqueles que não ousam apoiar aquilo em que acreditam", explicava Mitch, um jovem advogado que recusou revelar o seu apelido, ao correspondente do Le Monde, em meados de setembro. Já Alejandro Carrillo, que assistia ao mesmo comício de Warren, lamentou os efeitos que a idade está a ter sobre a ex-vice-presidente: "A sua mente já não está tão aguçada."

Mas é de Sanders que Warren terá de marcar a diferença se quer ganhar a nomeação democrata. Em 2016, muitos democratas ficaram convencidos de que se o velho senador do Vermont - acaba de fazer 78 anos - tivesse sido o candidato do partido contra Trump no lugar de Hillary Clinton, teria vencido. Mas as suas posições radicais de esquerda e o facto de se afirmar socialista ainda assustam muitos americanos.

Warren, muitas vezes apontada como uma espécie de versão feminina de Bernie Sanders, garante que esta não é a sua posição política. Em primeiro lugar não renega o capitalismo. Pelo contrário, garante, "sou capitalista até à medula". Mas "o mercado precisa de regras". A sua prioridade é clara: a luta contra a corrupção, sobretudo em Washington, onde acusa os lóbis das armas, as farmacêuticas e as petrolíferas de terem "comprado o governo".

Sobre a corrupção, Elizabeth Warren propõe proibir antigos eleitos de fazerem lóbi, obrigar todos os políticos a divulgar os rendimentos, rever o código deontológico dos juízes federais e introduzir um imposto sobre a fortuna.

Trump é o alvo final

Ora, se Joe Biden e Bernie Sanders são os adversários imediatos, Trump é o alvo final de Warren. E são muitos os analistas, como Jonathan Chait, da New York Magazine, que questionam se a senadora tem "electability", que poderíamos traduzir por elegibilidade e mede a capacidade de um candidato atrair votos. E a verdade é que as suas posições a favor de descriminalizar a imigração, de abolir a pena de morte ou de garantir seguro de saúde para quem esteja ilegal nos Estados Unidos dão muitas munições à campanha de Donald Trump - empenhado em apresentar a oposição como demasiado radical.

Mas com as primárias democratas a começarem só a 3 de fevereiro de 2020, no Iowa, como é tradição, e as presidenciais marcadas para 3 de novembro do mesmo ano, ainda muita coisa pode mudar. O debate de 15 de outubro é o próximo grande desafio para Warren. E se for a nomeada a sair da convenção democrata em junho em Milwaukee, no Wisconsin, terá de provar que, apesar da sua agenda progressista, consegue atrair o voto dos eleitores mais moderados, essencial para tirar Trump da Casa Branca, bem como dos negros. Essa tem sido uma das fragilidades da senadora do Massachusetts, que num estado como a Carolina do Sul, cujas primárias, a 29 de fevereiro de 2020, podem ser um ponto de viragem, tem surgido atrás de Biden e de Sanders nas intenções de voto. Mas as últimas sondagens já a colocam em segundo lugar, à frente do senador do Vermont.

A adolescência difícil de Elizabeth

Nascida em Oklahoma City numa família de classe média, aos 13 anos Elizabeth foi servir às mesas, depois de o pai, vendedor de automóveis, ter ficado incapacitado de trabalhar devido a um enfarte. As contas do médico acumulavam-se e o salário da mãe nos grandes armazéns Sears não chegava para sustentar os quatro filhos.

Aluna-modelo, Warren ganhou uma bolsa para a Universidade George Washington, mas o casamento com o namorado do liceu, Jim Warren, fê-la desistir e mudar-se para Houston, no Texas, onde o marido trabalhava para a IBM. Aí fez o bacharelato em Patologia da Fala e engravidou da primeira filha, mas seria em Nova Jérsia, para onde se mudaram, e já grávida do segundo filho, que se formaria em Direito.

O divórcio chegaria em 1978, dois anos depois. Warren voltou a casar-se, com Bruce Mann, seu atual companheiro, mas manteve o apelido do primeiro marido.

A política, essa, só chegaria depois de uma bem-sucedida carreira académica, tendo-se especializado em direito comercial e falências. Republicana durante muitos anos - "votava neles porque achava que eram os melhores para os mercados -, Warren acabou por rever as suas posições e foi como democrata que se apresentou ao Senado em 2012, derrotando Scott Brown e devolvendo ao partido o lugar que durante muitos anos fora de Ted Kennedy.

Eleita por um estado com uma forte comunidade portuguesa, Elizabeth Warren fez mesmo campanha com Lori Trahan, a primeira mulher lusodescendente eleita para o Congresso dos EUA. Em novembro do próximo ano, Warren espera fazer história, ao tornar-se a primeira mulher presidente dos Estados Unidos.

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