Democratas a Trump: "É preciso mais do que um aceno à união para unir o país"

Presidente norte-americano falou de imigração, deixou alerta em relação às investigações contra si e anunciou nova cimeira com a Coreia do Norte. Vários candidatos democratas às presidenciais de 2020 não pouparam críticas.

"O presidente Trump teve anos para unir este país, mas em vez disso escolheu dividir o país em todas as linhas que possa imaginar", disse a senadora Kirsten Gillibrand, uma das democratas que já lançou a sua campanha para as presidenciais de 2020, numa reação ao discurso do Estado da União do presidente norte-americano. Trump começou por pedir que democratas e republicanos trabalhem em conjunto, mas depois acabou por falar no muro com o México e em defender a sua política contra a imigração, deixando ainda um aviso em relação às investigações contra si.

A resposta oficial democrata ao discurso de Trump esteve a cargo de Stacey Abrams, que quase se tornou na primeira governadora afro-americana, mas a meio do mandato presidencial, quando já mais de uma dezena de democratas anunciaram a sua intenção de concorrer às eleições de 2020, nenhum dos potenciais candidatos quis ficar de fora. A maioria usou o Twitter para reagir às palavras do presidente.

"É preciso mais do que um aceno à união no início de um discurso para unir o nosso país. O nosso presidente passou os últimos dois anos a tentar dividir-nos. As ações falam mais alto do que as palavras", afirmou o senador Cory Booker, que anunciou a sua candidatura na passada sexta-feira.

"Serão precisos dias para fazer a verificação dos factos de todas as deturpações que Trump fez durante o Estado da União", escreveu no Twitter Nancy Pelosi, a líder da Câmara dos Representantes, após ouvir Trump. "Em vez de incitar o medo e criar uma crise na fronteira, o Presidente devia comprometer-se em assinar a lei bipartidária para manter o governo aberto e garantir soluções de segurança fronteiriça fortes e inteligentes", indicou.

A própria Abrams referiu-se aos apelos à união de Trump, assim como à política de imigração do presidente. "Sabemos que o bipartidarismo pode criar um plano de imigração do século XXI, mas esta Administração escolhe meter crianças em jaulas e separar as famílias. A América sai fortalecida pela presidente de imigrantes, não de muros", afirmou.

Imigração

A exigência de Trump em conseguir do Congresso dinheiro para construir um muro com o México esteve na origem do mais longo shutdown do governo norte-americano, com milhares de funcionários federais a serem dispensados de trabalhar e a ficarem sem salário durante 35 dias por não ter sido aprovado o orçamento. Mas Trump o presidente não fez uma única referência ao shutdown no seu discurso de 82 minutos (mais longo só o de Bill Clinton em 2000, que teve mais sete minutos), apesar de ter sido essa a causa do adiamento do Estado da União.

Mas Trump falou bastante de imigração (15 dos 82 minutos), reiterando os argumentos do passado: que há "caravanas organizadas" a marchar a caminho dos EUA, que os imigrantes querem entrar para cometer crimes violentos e juntar-se a gangues organizados, indicando que "não há outro assunto que melhor ilustra a divisão entre a classe trabalhadora e a classe política norte-americana", já que "políticos e doadores ricos pressionam para ter uma fronteira aberta, enquanto vivem atrás de muros e portões e seguranças".

Trump pediu então que republicanos e democratas "trabalhem juntos", "cheguem a compromissos e a um acordo que garanta que a América fique segura". Repetindo a sua exigência de dinheiro para construir o muro, o presidente acabou contudo por não declarar uma "emergência nacional", que lhe permitiria financiar o seu projeto sem o apoio do Congresso.

Na resposta democrata, Abrams disse: "O shutdown foi uma ação planeada pelo presidente dos EUA, que desafiou todos os princípios de justiça e abandonou não apenas o nosso povo, mas os nossos valores.".

Investigação de Mueller

"A agenda que vou apresentar esta noite não é uma agenda republicana ou uma agenda democrata. É a agenda do povo americano", começou por dizer Trump. Mas o apelo foi de curta duração, com o presidente a deixar um aviso aos democratas, dizendo que "as ridículas investigações partidárias" vão prejudicar o progresso económico.

"Se vai haver paz e legislação, não pode haver guerra e investigação", afirmou, numa aparente referência à investigação do procurador especial Robert Mueller à alegada interferência da Rússia nas eleições norte-americanas, assim como à prometida investigação dos democratas à conduta do presidente.

Política internacional

O presidente norte-americano anunciou que já há data e local para a segunda cimeira de Trump: será a 27 e 28 de fevereiro no Vietname. "Falta muito trabalho para fazer, mas a minha relação com Kim Jong-un é boa", disse o presidente, referindo-se ao líder norte-coreano, que encontrou pessoalmente pela primeira vez em junho de 2018, em Singapura.

A nível internacional, Trump disse ainda estar a ter "conversas construtivas" com os talibã para encontrar uma solução para a guerra do Afeganistão. "Chegou a hora de pelo menos tentar a paz", referiu.

Sobre a Síria e o Iraque, explicou que "virtualmente todo" o território que antes estava ocupado pelo Estado Islâmico foi libertado destes "monstros sanguinários", dizendo que "é hora de dar as boas vindas calorosas aos nossos bravos heróis", numa referência à decisão que tomou de retirar as tropas norte-americanas da Síria. "Grandes nações não combatem guerras sem fim", referiu.

Trump disse ainda que quer um novo acordo nuclear com a Rússia e talvez com a China, defendendo ainda as sanções impostas ao Irão. "Talvez possamos negociar um acordo diferente, acrescentando a China e outros", disse Trump. A afirmação do Presidente dos EUA vem na sequência do anúncio da retirada do país do Tratado sobre Armas Nucleares de Alcance Intermédio (INF), responsabilizando a Rússia por violar o acordo concluído em 1987 durante a Guerra Fria.

Os EUA criticaram a Rússia por ter desenvolvido um míssil, o "9M729", capaz de transportar uma ogiva nuclear e que terá, segundo Washington e a NATO, um alcance superior a 500 quilómetros, o que representa uma violação ao disposto no tratado. Este proíbe os mísseis de alcance entre os 500 e os cinco mil quilómetros.

Trump defendeu ainda as sanções impostas ao Irão e a decisão de se desvincular do tratado nuclear com o país, que acusou de ser "o principal patrocinador estatal do terrorismo".

Venezuela e o "não" ao socialismo nos EUA

Referindo-se à situação na Venezuela (os EUA reconheceram o presidente interino Juan Guaidó), Trump deixou um recado interno: "Aqui, nos EUA, estamos alarmados pelos novos apelos de adotar o socialismo no nosso país. A América foi fundada na liberdade e independência, não na coerção, domínio e controlo do governo. Nascemos livres, e vamos continuar livres."

As câmaras mostraram então o democrata Bernie Sanders, ex-candidato democrata às presidenciais, que continuou impávido enquanto à sua volta se gritava "U.S.A, U.S.A."

"Esta noite, renovamos a nossa determinação de que a América nunca será um país socialista", concluiu Trump.

Mais tarde, Sanders respondeu no Twitter: "As pessoas não são verdadeiramente livres quando não podem pagar cuidados de saúde, medicamentos ou um local para viver. As pessoas não são livres quando não se podem reformar com dignidade ou alimentar as suas famílias."

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