Daesh moderniza a propaganda do terror: é a Jihad 2.0
Divulgam vídeos de qualidade cinematográfica, promovem-se nas redes sociais na internet, lançam publicações digitais e até têm uma "agência de notícias" para publicitar as atividades sangrentas do grupo: o Daesh, autoproclamado Estado Islâmico, modernizou a propaganda do terror. Das imagens tremidas de Osama Bin Laden (e seus seguidores da Al Qaeda) algures nas montanhas do Afeganistão, passou-se para uma espécie de Jihad 2.0.
"O Daesh revolucionou a narrativa jihadista, menosprezando a segurança operacional em prol do dinamismo, de forma a produzir uma propaganda que conta uma história, excitante ou chocante, dependendo de quem é o seu público-alvo", descreve Charles Winter, investigador da Georgia State University, de Atlanta (EUA), e membro da Quilliam Foundation (um think tank de contraterrorismo, sedeado no Reino Unido). Para a maioria dos europeus, essa mudança tornou-se mais visível do que nunca nos últimos meses.
A organização terrorista reivindicou a autoria dos atentados de terça-feira, em Bruxelas, através da agência Amaq. Esse veículo - de que já se servira para confirmar a ligação a outras carnificinas - é o último exemplo da sofisticação do Daesh na tentativa de espalhar a sua propaganda: a criação de uma agência noticiosa, similar às normais, capaz de emitir textos "jornalísticos" em várias línguas, para publicitar as atividades. Esta é uma tentativa de "tomar o domínio da informação" sobre os inimigos, explicou Charles Winter, à agência Bloomberg, lembrando que "o grupo está interessado em passar uma mensagem muito centralizada".
Na verdade, a Amaq - batizada com o nome de uma cidade síria mencionada numa antiga profecia como palco de uma vitória apocalíptica sobre os não-crentes - "faz parte de uma estratégia de propaganda mais ampla", como refere Winter. À agência, que divulga as notícias do Daesh através da plataforma WordPress ou da Telegram (aplicação de envio de mensagens encriptadas, muito utilizada pelos jihadistas), juntam-se outras ferramentas de comunicação, disseminadas a partir do al-Hayat Media Center (o centro de operações mediáticas do autoproclamado Estado Islâmico).
Há de tudo um pouco na propaganda do Daesh: fotos, vídeos, depoimentos em áudio, programas de rádio, textos e revistas online, posters, panfletos e documentos teológicos, divulgados não só em árabe, mas sim em seis idiomas diferentes - também numa operação de charme para recrutar cidadãos estrangeiros. Charles Winter fez a análise dos 1146 conteúdos diferentes divulgadas entre meados de julho e agosto de 2015 (durante o Shawwall, mês islâmico que se segue ao Ramadão). E - citado pela BBC - concluiu que a maioria se reportava a pormenores da "vida civil", numa tentativa de mostrar que existe uma "normalidade" quotidiana nos territórios controlados pelo Daesh. "Esta operação de propaganda é incomparável", diz Haras Rafiq, diretor da Quilliam.
Um exército privilegiado
No entanto, a autopromoção da organização terrorista vai muito para além disso - distingue-se pela edição da Dabiq (uma revista mensal, escrita em inglês e disponibilizada online) e pela divulgação dos bárbaros vídeos da execução de reféns e de operações militares. Estas gravações parecem inspiradas em fitas de cinema e em videojogos - com cuidado cénico no posicionamento de vítimas e algozes e até na exposição perante a luz solar.
Esta sofisticação deve-se também ao facto de a propaganda do Daesh contar com cidadãos ocidentais com experiência no ramo audiovisual. "Existe um verdadeiro exército de trabalhadores no departamento de media, que é mais importante que os soldados. Têm um salário maior e melhores carros. Podem encorajar os que estão em combate e trazer mais recrutas para o Estado Islâmico", descreveu ao Washington Post, Abu Abdullah al Maghribi, ex-membro do Daesh.
O resto da propaganda passa pelo uso das redes sociais da internet, das famosas às mais obscuras. "O Estado Islâmico tem utilizado as redes sociais melhor do que qualquer outro grupo terrorista no passado ou na atualidade. Dominam o seu uso como instrumento de propaganda, recrutamento e orientação [dos seus operacionais]", enumera Michael Steinbach, dirigente da divisão de contraterrorismo do FBI, em declarações ao Yahoo. É o terrorismo numa versão 2.0, inimaginável há 15 anos, quando Bin Laden gravava vídeos a partir de um recanto escondido nas montanhas do Afeganistão ou Paquistão.