Da força da maquilhagem à importância do pós-debate
O primeiro debate transmitido na televisão entre dois candidatos à presidência dos Estados Unidos realizou-se há 56 anos, a 26 de setembro de 1960, e colocou frente a frente John F. Kennedy e Richard Nixon. O resultado deste debate influenciou não só o resultado das eleições desse ano, ganhas por JFK, mas também a política norte-americana. E até a europeia.
Esta estreia acabou por ser marcada não pelo o que senador democrata e o vice-presidente republicano disseram sobre temas importante da altura, como a Guerra Fria ou os direitos civis, mas pelo aspeto com que estavam e pelo facto de terem usado ou não maquilhagem.
Richard Nixon, então com 47 anos, chegou aos estúdios da CBS em Chicago depois de um dia de campanha com uma agenda cheia. Estava com um ar cansado e, ao sair do carro, bateu com o joelho que tinha lesionado há pouco tempo, o que lhe aumentou as dores. Recusou a oferta de maquilhagem e optou por usar um produto então em voga chamado Lazy Shave, que servia para disfarçar a barba que começa a aparecer a meio da tarde.
Já JFK, de 43 anos, tinha passado o dia a descansar e a praticar algumas respostas. A somar a isto, estava com o seu habitual ar bronzeado. Sendo que um assistente contou mais tarde que o senador também alguma maquilhagem.
E foi isto que os telespetadores norte-americanos viram naquela noite: um Nixon nervoso, cansado e com a cara manchada e um Kennedy bronzeado e descontraído. Notícias da altura dizem que quem seguiu o debate pela televisão concluiu que o democrata ganhou de forma fácil. E que a maioria daqueles que ouviram pela rádio acharam que foi um empate.
Mais de meio século depois as regras do jogo e o impacto dos debates televisivos nos eleitores dos Estados Unidos são bem diferentes. "O que importa mais é o que se diz sobre o debate, é toda a cobertura posterior ao debate. Por isso é que as campanhas bombardeiam os media a seguir ao debate. É o chamado spin, o spin é decisivo. Nos anos 60 era mais fácil", explicou ao DN Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e especialista em comportamento eleitoral. "No geral, acho que depende muito do momento em que o candidato está. Se tiver grandes índices de confiança é sempre um debate que vai obrigar esse candidato a não cometer não cometer erros", defendeu, por seu turno, Bernardo Pires de Lima, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.
E os erros e gafes nos debates presidenciais ao longo da história dos Estados Unidos têm vários.
"No debate entre Barack Obama e John McCain em 2008 há um momento crucial quando se fala sobre a crise económica. McCain desvalorizou o assunto, enquanto Obama valorizou. Os dias seguintes mostraram que o McCain estava errado. Foi muito infeliz", lembrou Pedro Magalhães. "Há uma imagem que ficou do Bush pai a olhar para o relógio. Acho que foi contra o Bill Clinton em 1992", acrescentou Bernardo Pires de Lima.
Quando dois candidatos se apresentam num debate têm de ter em mente a sua base eleitoral, mas também conquistar indecisos. Mas será que os frente a frente na televisão serão a melhor forma de o fazer?
"Neste momento, não haverá muitos indecisos entre o eleitorado norte-americano. Mas sim, os debates poderão ter influência nestas pessoas. No entanto, com uma campanha tão longa, na qual se falou tanto, a imagem dos candidatos está tão cristalizada... Claro que poderá haver uma expressão infeliz por parte de um candidato... Mas os efeitos são reduzidos e quanto mais perto do fim da campanha se está são ainda mais", sublinhou Pedro Magalhães.
A verdade é que o modelo de debates utilizado nos Estados Unidos é cada vez mais usado na Europa, incluindo em Portugal. "Estamos claramente num processo de adoção dos Estados Unidos no espetáculo televisivo. Quer pela expectativa das televisões, pela preparação dos candidatos, quer pelo modelo de plateia com questões", afirmou ao DN o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais. Opinião partilhada pelo colega do Instituto de Ciências Sociais.
Mas mesmo assim existem algumas diferenças, garante Bernardo Pires de Lima. "O modelo dos Estados Unidos é mais solto, os políticos em televisão são um espetáculo em si mesmo. Aqui há uma rigidez de comportamento, os norte-americanos têm uma linguagem muito mais amigável, aqui há mais conservadorismo. Não sei se é bom, se é mau".