Crise dos migrantes. Contra uma "ameaça assimétrica", UE responde com milhões de euros
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou uma ajuda financeira imediata de 350 milhões de euros para a Grécia responder à crise dos migrantes. Esse valor, que poderá ser duplicado caso seja pedido por Atenas, terá como destino a gestão migratória, "para a criação e gestão das infraestruturas necessárias". A prioridade é "assegurar que a ordem é mantida na fronteira externa grega", afirmou.
As autoridades turcas informaram que mais de 130 mil migrantes saíram de Edirne, no noroeste do país, para a fronteira com a Grécia.
Sobre a missão da equipa de intervenção rápida a iniciar pela Agência Europeia de Fronteiras e Guarda Costeira, Frontex, Ursula von der Leyen disse que se vai materializar em cem guardas adicionais, que se juntam aos atuais 530, bem como um navio-patrulha marítimo, seis navios-patrulha costeira, dois helicópteros, um avião e três veículos equipados com visão térmica.
Em Kastanies, cidade fronteiriça no nordeste da Grécia, numa conferência de imprensa conjunta com os primeiros-ministros Mitsotakis Kyriakos, da Grécia, e Andrej Plenkovic, da Croácia, e com os presidentes do Conselho, Charles Michel, e do Parlamento, David Sassoli, a dirigente alemã lembrou que a situação na fronteira não é uma questão que diz respeito apenas à Grécia, mas "é responsabilidade da Europa como um todo", prometendo geri-la "de forma ordeira, com unidade, solidariedade e determinação".
Sem fazer referência direta ao presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que na sexta-feira deu ordens para os funcionários não impedirem os migrantes e refugiados de saírem do país, Leyen afirmou: "Aqueles que procuram testar a unidade da Europa ficarão desapontados. Vamos manter o rumo e a nossa unidade vai prevalecer. Agora é a hora da ação concertada, de ter cabeça fria e de agir com base nos nossos valores."
A presidente da Comissão isolou a ação da presidência turca do país. "A Turquia não é um inimigo e as pessoas não são apenas meios para alcançar um objetivo. Todos faríamos bem em recordar ambos nos dias que virão. Agradeço à Grécia por ser o nosso escudo europeu nestes tempos", concluiu.
Na véspera, o comissário da Promoção do Modo de Vida Europeu, com a pasta das migrações, disse que "ninguém pode chantagear ou intimidar a União Europeia". O teor das palavras de Margaritis Schinas voltou a ser proferido pelo primeiro-ministro grego, seu compatriota. "A Europa não será chantageada pela Turquia por causa da questão dos refugiados. Estamos prontos para apoiar a Turquia a lidar com o seu problema de refugiados e encontrar uma solução para o quebra-cabeças da Síria, mas não nesta conjuntura. O meu dever é proteger a soberania do meu país", disse o conservador Mitsotakis, que sucedeu a Alexis Tsipras na chefia do governo helénico em julho passado.
Para Mitsotakis, o que a Grécia e, por extensão, a UE estão a enfrentar é uma "ameaça assimétrica" de Ancara. "Este já não é um problema de refugiados. Esta é uma tentativa flagrante da Turquia de usar pessoas desesperadas para promover a sua agenda geopolítica e desviar a atenção da horrível situação na Síria."
O líder grego afirmou que quem tentou entrar na Grécia nas últimas horas são pessoas que vivem há bastante tempo na Turquia e não são refugiados de Idlib, a província síria controlada por grupos opositores extremistas, entre os quais se destaca o Tahrir al-Sham (que tem ou teve relações com a Al-Qaeda) e que contam com o apoio da Turquia contra a operação de Damasco em tentar recuperar o território.
"Infelizmente, a Turquia converteu-se num traficante oficial de migrantes", continuou Mitsotakis, em referência a declarações do presidente turco e a vídeos nas redes sociais que mostram autocarros a transportar migrantes para a fronteira grega.
Mitsotakis concluiu a sua participação com uma crítica a Bruxelas. "Vamos ser honestos. A UE não tem estado à altura da tarefa de lidar com a crise migratória. Espero que esta crise sirva de chamada de atenção para todos", disse, ao mesmo tempo que espera solidariedade dos parceiros europeus.
Antes da conferência de imprensa, os líderes visitaram de helicóptero a região que mais migrantes e refugiados recebeu nos últimos dias. Na fronteira grega de Kastanies, repórteres da AFP viram soldados a levar migrantes em veículos militares. Outras carrinhas não identificadas também estavam a apanhar migrantes que vagueavam pelas ruas.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, respondeu às acusações do lado turco de que as forças de segurança gregas disparam aos migrantes dizendo ser "crucial agir de forma proporcional e mostrar respeito pela dignidade humana e pelo direito internacional". Por outro lado, o ex-primeiro-ministro belga voltou a pedir à Turquia para respeitar o acordo de 2016 com a UE, através do qual Ancara se comprometeu a fechar as fronteiras e a albergar os refugiados sírios em troca de um programa de seis mil milhões de euros.
O presidente turco dissera entretanto que o seu país já gastou pelo menos 40 mil milhões de euros com os sírios e acusou Bruxelas de não ter cumprido a sua parte em termos financeiros, e que agora estaria disposta a enviar mil milhões de euros. "A quem estão a mentir? Não queremos mais esse dinheiro. Ninguém tem o direito de brincar com a honra da Turquia", declarou.
A Comissão Europeia diz estar a cumprir o programado, mas o dinheiro, destinado a assistência humanitária, educação, saúde e infraestruturas locais, foi aplicado em organizações não governamentais e não canalizado para o governo turco, como se pode ver nesta lista de projetos.
Erdogan, que se reuniu com o primeiro-ministro de outro país fronteiriço, Boyko Borisov, da Bulgária, rejeitou a iniciativa de Borisov de um encontro a três que incluísse o chefe do governo grego.
Borisov mostrou-se compreensivo com Erdogan e incrédulo sobre os motivos pelos quais o governo turco não recebeu dinheiro. "A UE votou esse dinheiro para a Turquia... não compreendo por que não o recebeu."
O ministro dos Negócios Estrangeiros turco acusou Atenas de matar migrantes. "Temos visto que eles estão a disparar contra os migrantes, três migrantes foram mortos. Eles estão a atirar neles pelas costas enquanto fogem", disse Mevlut Cavusoglu, numa conferência de imprensa em Ancara, ao lado do homólogo britânico, Dominic Raab. Na segunda-feira, Erdogan afirmara que os gregos haviam matado dois migrantes e ferido um terceiro.
Sem provas para fundamentar as alegações, Cavusoglu acrescentou que as forças de segurança helénicas estão a "distribuir armas de caça aos agricultores junto à fronteira" com o objetivo de alvejar os migrantes que pisem solo grego.
A Grécia respondeu através de um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE): "Ontem considerámos isto como desinformação através do nosso porta-voz do governo. Como pode haver uma terceira morte se ontem não houve nenhuma?"
Mevlut Cavusoglu comentou ainda o encerramento das fronteiras e a suspensão dos procedimentos de requerimento de asilo por parte da Grécia como um desrespeito às leis internacionais.
A resposta do MNE grego leu-se no Twitter. "Quando um país usa pessoas como aríetes, fabrica notícias falsas para as enganar e viola sistematicamente a soberania e os direitos soberanos dos países vizinhos, não está em posição de apontar o dedo a ninguém. E é claro que não está em posição de dar lições a ninguém sobre direito internacional e direitos humanos. Afinal de contas, a Turquia tem falhado nestes campos em particular durante anos."
No dia em que os ministro dos Negócios Estrangeiros da Áustria, Alexander Schallenberg, se deslocou a Atenas numa "visita de solidariedade" em resposta a uma situação "criada por políticas turcas cínicas", o chanceler austríaco classificou a abertura de fronteiras um "ataque da Turquia à União Europeia e à Grécia". "É um ataque da Turquia contra a União Europeia e a Grécia. Os seres humanos são usados para pressionar a Europa", disse o chefe do governo austríaco, Sebastian Kurz, em conferência de imprensa.
Nas próximas horas, a diplomacia vai continuar a multiplicar esforços. O alto representante da UE, Josep Borrell, e o comissário para Gestão de Crises, Janez Lenarcic, estão por Ancara em conversações sobre a escalada no conflito em Idlib, as consequências para as populações, bem como a crise de migrantes na fronteira greco-turca.
Na quinta-feira, Erdogan desloca-se a Moscovo para uma reunião com o homólogo russo, Vladimir Putin, e aliado do sírio Bashar al-Assad. E na sexta-feira, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE reúnem-se em Zagreb numa reunião extraordinária dedicada à Síria e à Turquia.