Criminoso Elias Maluco encontrado morto na prisão. Suicídio ou homicídio?

Considerado um dos mais cruéis assassinos do Brasil, responsável pela morte de repórter da TV Globo estava em prisão de segurança máxima há dez anos. Investigações da polícia indicam que se matou. Família contesta. Guerra de poder na organização criminosa pode ser a chave
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Nem na hora da morte Elias Maluco dá sossego à polícia: o traficante de drogas do Rio de Janeiro foi encontrado morto na cela da prisão de segurança máxima, onde cumpria 70 anos, na última terça-feira, meia hora antes de uma reunião com um dos seus 42 advogados. Suicídio? Ou homicídio? As duas possibilidades prosseguem em aberto, segundo os investigadores.

Elias Pereira da Silva, 54 anos de uma vida ligada ao crime, ficou conhecido pela crueldade. Sobretudo após o assassinato de Tim Lopes, um repórter da TV Globo

Lopes fazia reportagem na Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, comandada por Maluco, em junho de 2002, sobre um suposto caso de abusos de menores e de tráfico de drogas. Foi morto depois de ter sido descoberto com uma microcâmara a filmar uma transação de substâncias proibidas.

Levado para outra região do Rio, a Favela da Grota, no Complexo do Alemão, o jornalista foi torturado por Maluco, de acordo com os testemunhos de subordinados seus: o traficante queimou-lhe os olhos com um cigarro, esquartejou-o com uma espada de samurai e incinerou o corpo com pneus e gasolina numa gruta conhecida entre os locais como micro-ondas.

Os restos carbonizados de Tim Lopes só foram encontrados dez dias após o crime e confirmados com recurso a teste de DNA. E Maluco detido apenas três meses depois na sequência de uma caça ao homem levada a cabo pessoalmente pela cúpula policial do Rio, chamada Operação Sufoco, que cercou todo o Complexo do Alemão. O criminoso entregou-se 50 horas após o início do cerco sem oferecer resistência.

Para a pena de 70 anos, que Elias Maluco cumpria desde há dez em estabelecimentos de segurança máxima e desde há dois na cadeia de Catanduvas, no Paraná, contribuíram crimes como tráfico e associação para o tráfico de drogas, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver.

Na terça-feira, dia 22, os agentes penitenciários entregaram o almoço a Elias Maluco pela abertura da cela às 11 h e só voltaram ao local às 15h45 para o levarem a uma reunião com um advogado marcada para dali a 15 minutos. Nessa altura, encontraram o corpo.

O atestado de óbito aponta para "asfixia mecânica, enforcamento e compressão do pescoço". Na cela, foi encontrado um lençol pendurado numa das saídas de ar. Chamou a atenção dos agentes a organização impecável do local: a cama estava feita e os livros e cartas do detido, perfeitamente arrumados, numa bancada.

Essas cartas são, na sua maioria, dirigidas à família. Segundo o delegado Daniel Martinelli da Costa, o detido queixa-se de não ter vontade de viver nem coragem de encarar os parentes mas não são apontados motivos específicos, nem acusada nenhuma pessoa em particular pelo seu estado de espírito.

Presos com quem Elias Maluco teve o último contacto na véspera da morte, durante o horário do banho de sol, afirmam que o traficante jamais deu a entender que pudesse cometer suicídio.

Julia Fernandes, filha do criminoso, contesta a versão do suicídio e revelou o conteúdo de algumas das cartas. "Esta carta a minha mãe recebeu essa semana! Isso é carta de alguém que estava pensando em suicídio? Em toda a carta ele dizia que não via a hora de estar com a gente aqui fora, cheio de esperança, sempre e sempre! Só queria sair e aproveitar a família!".

"Recebi sua carta, demorou mas chegou, obrigado pelas palavras, você sabe que é minha eterna namorada e tenho fé que no futuro vamos curtir um pouco os nossos netos juntos", lia-se na carta partilhada por Julia.

"Às vezes me dá uma saudade tão forte que me faz mal mas o seu marido está firme e com esperança de dias melhores", diz outro trecho.

Numa, endereçada à filha, está escrito "saiba que teu pai te ama e que um dia vai ser você que vai cuidar de mim, só falta 6 anos para eu chegar aos 60, estou ficando coroinha".

A advogada Flávia Fróes, conhecida por há 20 anos defender os criminosos mais temidos do Brasil e ser presidente do Instituto Anjos da Liberdade, organização social que desenvolve projetos na área dos direitos humanos, está "em estado de choque".

"Estávamos num processo com o Elias, que tinha pedido para ser inserido no processo de reintegração. O advogado pediu para falar com ele e informaram que ele não queria ser atendido".

Há três anos, entretanto, Elias Maluco fez uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos, onde classificava como "tortura e pena cruel" o facto de estar detido em segurança máxima desde 2010. Além de Maluco, também assinaram o documento Marcinho VP (Márcio dos Santos Nepomuceno), My Thor (Marco Antônio Pereira Firmino da Silva) e Tchaca (Márcio José Guimarães), outros líderes do Comando Vermelho, organização criminosa com sede do Rio de Janeiro.

Segundo a coluna de Josmar Josino, no portal UOL, o detido tinha 42 advogados registados, a que se somavam mais 24 entretanto destituídos, num mesmo dia, em 2017. Esse número fez a polícia suspeitar de que Elias Maluco era financiado por negócios ilícitos. E que continuava a pertencer à cúpula do Comando Vermelho, que, ao lado do Primeiro Comando da Capital, com sede em São Paulo, comanda o tráfico de drogas no Brasil.

O jornal local O São Gonçalo, de uma cidade vizinha ao Rio, diz que a polícia suspeita de que brigas de poder na organização possam estar na origem da morte de Maluco.

Márcio VP, que controla a zona do Complexo do Alemão, teria despromovido Maluco, chefe da zona da Penha, em favor de outro criminoso conhecido como Porca Russa. Este último teria sido promovido em função da progressão da sua pena para regime semiaberto, o que lhe garantiria maior autonomia. Maluco e Porca Russa, entretanto, seriam rivais dentro do Comando Vermelho, ainda de acordo com o jornal.

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