Corleone, a terra dos padrinhos, ao desgoverno graças à máfia

Ministro do Interior dissolveu a autarquia por suspeitas de ligações promíscuas entre a Cosa Nostra e os políticos locais. A ex-presidente da câmara é conhecida por combater o crime
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"Estando tudo combinado, damos-lhe um tiro na cabeça." A frase foi apanhada em escutas telefónicas durante a investigação, que terminou, em novembro, com a prisão de seis membros da máfia em Corleone, na Sicília. O alvo era Angelino Alfano, ministro italiano do Interior, o mesmo responsável governativo que agora tomou a decisão de dissolver o executivo da localidade.

Aos poucos foram surgindo vários indícios de promiscuidade entre a autarquia e a organização mafiosa Cosa Nostra. Tantos e tão fundados, pelo menos aos olhos do governo do primeiro-ministro Matteo Renzi, que a solução encontrada foi tentar cortar o mal pela raiz. Alfano afastou os dirigentes locais e passou temporariamente a gestão autárquica de Corleone, povoação de apenas 11 mil habitantes, para a alçada do seu ministério. Apesar da longa história como berço de mafiosos - na realidade e na ficção -, é a primeira vez que o governo de Corleone é dissolvido. Não foi, no entanto, a única terra vítima da determinação do ministro. Também os governos de Arzano, perto de Nápoles, e de Bovalino e Tropea, ambas na Calábria, sofreram o mesmo destino. Já são mais de 200 as autarquias dissolvidas desde 1991.

A associação entre máfia e Corleone vem de longe. Foi nessa cidade siciliana que nasceram alguns dos mais poderosos membros da máfia. Entre eles contam-se, por exemplo, Bernardo Provenzano, que morreu no mês passado aos 83 anos, e o temível Totò Riina, detido em 1993 e que se encontra a cumprir prisão perpétua. Atualmente tem 85 anos. Durante a sua carreira criminal terá matado 40 pessoas com as próprias mãos e ordenado a morte de outras 110.

Já vão longe os tempo áureos da Cosa Nostra, durante a década de 80 e 90. Aos poucos foi perdendo o rótulo de principal associação mafiosa, tendo sido ultrapassada pela "Ndrangheta, da Calábria, e pela napolitana Camorra. Ainda assim, apesar do menor fulgor, a organização siciliana, umbilicalmente ligada a Corleone, continua a operar no mundo do crime.

A decisão de Alfano - que em janeiro ordenou uma investigação para determinar possíveis ligações entre a máfia e os dirigentes locais - causou surpresa, uma vez que Leoluchina Savona, a agora ex-presidente da câmara, que geria a autarquia desde 2002, era vista como uma mulher profundamente envolvida na luta antimáfia.

De acordo com informações que vieram a público, Giovanni Savona, irmão da edil, terá ligações de amizade com Totò Riina. "Não posso ser considerada próxima dos círculos da máfia. Estou disposta a afastar-me da minha própria família se ficar provado que o meu irmão está envolvido", afirmou a autarca.

Foram vários os sinais que fizeram disparar os alertas no ministério de Alfano. Um dos que mais chamaram a atenção foi a contratação pela autarquia da filha de Rosario Lo Bue, o alegado líder dos seis mafiosos acusados de planear o assassínio do ministro do Interior. Foi a única candidata a apresentar-se para o cargo de auxiliar de enfermagem numa escola local. Como explica o El País, "por razões desconhecidas", o concurso público não foi anunciado.

Também segundo o diário espanhol, outro momento que fez torcer narizes em Roma deu-se durante um recente cortejo religioso. Em junho a procissão da confraria de São João Evangelista fez uma longa paragem diante da casa de Totò Riina, numa presumível homenagem ao criminoso e à ex-mulher, Ninetta Bagarella, vista como uma das figuras mais influentes na estrutura atual da máfia siciliana. O vice-presidente da organização religiosa, Leoluca Grizzaffi, "defendeu que se tratara de uma paragem casual e quase forçada devido à quantidade de gente que se encontrava no local", conta o diário espanhol. Não se livra, no entanto, de ter sido interrogado pela polícia nesse mesmo dia.

O filho de Totò e Ninetta, Giovanni Riina, nascido em 1976, encontra-se, tal como o pai, a cumprir pena de prisão perpétua. Tinha 20 anos quando foi detido em 1996, acusado de quatro homicídios.

"A dissolução da autarquia diz-nos que afinal o problema ainda existe, apesar de todas as teses que defendem que a "Ndrangheta são o sindicato mais importante em matéria de crime organizado", explica Federico Varese, professor de criminologia na Universidade de Oxford, citado pelo The Guardian.

Pouco felizes estão os honestos habitantes de Corleone. "Para eles, que nada têm que ver com a máfia, é um momento doloroso", sublinha também ao diário britânico Dino Paternostro, jornalista e ativista antimáfia. Relembra o The Telegraph que em tempos correu uma petição para mudar o nome da cidade. Afinal, O Padrinho de Francis Ford Coppola colocou para sempre o nome Corleone nas bocas do mundo e - apesar dos méritos cinematográficos - não pelas melhores razões.

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