Cinco anos após a morte de Chávez, Maduro procura o caminho próprio

Chavismo está vivo em muitos venezuelanos e ainda serve de base às políticas públicas. Mas o atual presidente, herdeiro do falecido líder da revolução bolivariana, tenta consolidar o seu próprio projeto com um novo partido.
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A 5 de março de 2013, o então vice-presidente venezuelano Nicolás Maduro anunciou na televisão a morte do comandante da revolução bolivariana, Hugo Chávez, às 16.25 locais, ao final de quase dois anos de luta contra o cancro. Cinco anos depois, esse mesmo Maduro, herdeiro político do falecido presidente, está à frente de um país em profunda crise económica e procura a reeleição e a consolidação do madurismo, face ao crescente descontentamento entre o chavismo.

"A nível popular é inegável que uma parte considerável dos venezuelanos, sobretudo dos setores mais desfavorecidos, continuam a ter uma identidade chavista muito forte. Mas há uma grande diferença entre o apoio a Maduro, que está abaixo dos 20%, e o apoio a Chávez, acima dos 50%", afirmou ao DN o investigador principal do Real Instituto Elcano, Carlos Malamud.

Chávez nasceu em 1954 e fez carreira militar, tendo sido detido em 1992 numa falhada tentativa de golpe de Estado. Libertado dois anos depois, lançou-se na política e foi eleito presidente, tomando posse a 2 de fevereiro de 1999. Ficaria no poder até à sua morte, perdendo só uma vez nas urnas - no referendo de 2007 para reescrever a Constituição de 1999 que já era fruto da revolução bolivariana. A nível interno, o carismático Chávez apostou nos programas sociais que pagou graças à subida dos preços do petróleo, e a nível externo beneficiou da "maré rosa" que então existia no continente americano.

"Ao nível das políticas públicas mantém-se a base do chavismo, tentam-se manter as misiones [programas sociais] e o espírito da sociedade chavista, mas ao mesmo tempo Maduro, que inicialmente se apresentava permanentemente como o herdeiro de Chávez, tenta, de alguma maneira, impulsionar o seu próprio projeto político", disse Malamud. O presidente criou em junho de 2017 o Movimento Somos Venezuela (MSV), que em janeiro legalizou como partido, com o objetivo de consolidar a sua identidade dentro do chavismo e demarcar-se dos inimigos internos. "Maduro sabe que o chavismo está dividido, que há setores que não lhe são leais, e quer construir o seu próprio aparato de poder", explicou. Além disso está a reescrever a Constituição bolivariana de 1999.

A candidatura de Maduro conta com o apoio do novo partido, assim como do "velho" Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), fundado por Chávez. Mas quem quer militar no primeiro tem de se desvincular deste último. Inicialmente marcadas para 22 de abril, as presidenciais foram adiadas para 20 de maio. A coligação de partidos da oposição, Mesa de Unidade Democrática (MUD), decidiu boicotar o escrutínio, alegando que não estão estabelecidas as condições para uma votação democrática, mas Henri Falcón, um antigo chavista que rompeu com a revolução ainda em 2010 e está à frente do partido Avançada Progressista, resolveu candidatar-se. Há ainda outros cinco candidatos opositores menores, quatro deles também antigos chavistas.

"Parte da oposição alimenta-se dos descontentes do chavismo e temos de ter presente que o chavismo teve, no início, um espetro político ideológico muito amplo, ali cabia tudo", contou Malamud, lembrando o apoio da imprensa, da igreja, dos sindicatos e até de parte importante das elites venezuelanas.

Questionado sobre as hipóteses da candidatura de Falcón, ex-governador do estado de Lara, Malamud diz que como "a voz mais potente da oposição" podia ter possibilidades "se as eleições fossem limpas". O problema, explicou, é que "o campo está inclinado, como dizem no futebol". Em relação à decisão de adiar as eleições, o investigador acredita que "foi produto de uma transação", de forma a garantir a presença eleitoral de Falcón. "O que eles necessitam desesperadamente é que alguém legitime as eleições com a sua participação. Se Falcón se apresenta então podem vender ao mundo que são eleições democráticas", referiu.

Enquanto isso os venezuelanos passam fome com a escassez de produtos - quase 65% dizem ter perdido pelo menos 11 quilos em 2017 - e o FMI prevê que a inflação possa chegar aos 13 000% este ano. A queda do preço do petróleo não ajudou uma economia demasiado centrada no ouro negro, com Caracas a dizer-se vítima da "guerra económica" liderada pelos EUA.

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