Cimeira em pausa. Acordo à vista?
Os trabalhos da cimeira europeia foram suspensos, depois de uma longa maratona de negociações, divergências e até irritação e zanga que afunila num número: 390 mil milhões de euros.
Se a solução de compromisso tiver o aval de todos, será esta a parcela do fundo de recuperação destinada aos subsídios a fundo perdido. Representa um corte significativo em relação à proposta da Comissão Europeia. Mas o montante final é ainda assim relativamente superior ao que foi exigido pelo grupo dos chamados frugais.
Nesta negociações, Áustria e Países Baixos acabaram isolados, depois de uma discussão mais acalorada, em que o presidente francês e a chanceler alemã não esconderam a irritação pelo sucessivo boicote a um acordo, num momento crucial para a Europa.
Finlândia, Suécia e Dinamarca foram ao longo da noite mostrando uma postura de maior flexibilidade e, no final desta etapa, há uma base para um acordo.
Mas, os números que estão agora em cima da mesa, podem implicar cortes nos envelopes financeiros nacionais, provenientes do fundo de recuperação, e o reajuste, entre as atribuições a fundo perdido e o os empréstimos.
Quando em maio apresentou a estratégia para recuperar a Europa a presidente da Comissão Europeia destinou para Portugal um montante 15 mil e 500 milhões de euros a fundo perdido, e 10 mil e 800 milhões numa base de empréstimos voluntários. Estes valores podem vir a sofrer alterações, se o acordo que vier a ser alcançado implicar o corte nos montantes globais.
Os 27 governos da União Europeia entraram no quarto dia de negociações, com um acordo por fechar. Mas as discussões aqueceram até à "irritação e zanga", de Emmanuel Macron.
Nesta segunda-feira, ainda muitos se hão-de lembra que quando presidentes e primeiros-ministros da União Europeia chegaram a Bruxelas, na sexta-feira traziam promessas de que remariam todos para o mesmo lado, mas depois de um fim de semana de debates, em que apenas ficaram mais evidentes as clivagens entre "os que querem realmente estar numa união" e os que "gostariam simplesmente estar num mercado comum".
As expressões são do primeiro-ministro português, António Costa, que nestes três dias constatou que "o espírito mudou muito" nos últimos anos e "agora, muitas vezes, isso é o que eu sinto, muitos países que estão num fato que já não lhes é confortável".
"Sabe como é, quando uma pessoa compra um fato depois engorda e o fato deixa de servir ou passa de moda", sintetizou com ironia o primeiro-ministro português para descrever o espírito de alguns Estados em relação à União Europeia e as negociações que estão em causa.
A verdade é que a negociação tornou-se num jogo da corda, com um grupo restrito de quatro países, a que se juntou eficientemente a Finlândia, a forçar um plano "menos ambicioso", e outro grupo, em que se inclui Portugal, a aceitar um compromisso, que envolve cortes inevitáveis, na parte do fundo de recuperação destinada aos subsídios a fundo perdido.
Ou seja, a proposta inicial de 750 mil milhões, do fundo de recuperação, será radicalmente alterada. E a divisão entre 500 mil milhões de subsídios e 250 mil milhões ficará apenas pela intenção de criar algo semelhante a um Plano Marshall para a Europa.
A primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin, trouxe para Bruxelas um plano que conquistou o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte. E este não teve grandes dificuldades em convencer os outros frugais a gostarem da estratégia que prevê cortes de 50 mil milhões ao montante global e divide os 700 mil milhões que sobram em duas parcelas iguais de 350 mil milhões.
Foi nesta ideia que se bateram durante o fim de semana. Mark Rutte foi invariavelmente o mais persistente, até porque introduziu temas "marginais" na discussão para boicotar o acordo. Uma das questões que levantou prende-se com a fiscalização dos projetos para a aplicação das verbas, fazendo depender a sua "solidariedade" de um mecanismo de travão para a libertação de verbas do fundo de recuperação.
Ou seja, Mark Rutte pretende que o dinheiro do fundo de recuperação seja dirigido a reformas nos Estados que dependem das verbas e os desembolsos dependentes de unanimidade no Conselho.
Na prática, qualquer governo ficaria com poder para boicotar os projetos de outros Estados membros. Ninguém concordou. Nem o seu mais fiel parceiro, nestas discussões, o chanceler austríaco Sebastian Kurz.
Este chegou até a mostrar-se muito satisfeito com as "intensas negociações", que resultaram num impasse. O que é tudo menos um bom sinal, que esteve prestes a tornar-se mesmo num "sinal péssimo", como advertiu o primeiro-ministro português, António Costa, à entrada para o terceiro dia de cimeira, quando um acordo já se aguardava desde sábado.
"Se não o fizermos, acho que será uma péssima notícia para a Europa, um péssimo sinal para todos os agentes económicos e para os europeus", vincou.
Mas, o chanceler austríaco estava convicto que aquele impasse estava a levar as negociações "na direção certa".
"E a direção certa para nós: a nova proposta para Quadro Financeiro Plurianual foi ligeiramente reduzida [em relação à proposta de fevereiro] e há um desconto maior para a Áustria", da sua contribuição nacional, para o orçamento comunitário. "Isso já é muito bom, mas ainda queremos mais, é claro" afirmava o chanceler, persistente na defesa de cortes, nos montantes destinados aos subsídios a fundo perdido.
Perante o finca-pé, não faltaram críticas ao grupo dos frugais. Mark Rutte, o "tipo holandês" ouviu o primeiro-ministro húngaro da tecer-lhe críticas duríssimas, num tom pouco habitual em cimeiras europeias, tendo-o acusado de ser "o tipo responsável por toda esta trapalhada".
A imprensa holandesa questionou se já terá havido um primeiro ministro holandês "que tenha sido tão devastado em Bruxelas como Mark Rutte?"
"O primeiro-ministro do VVD ( partido liberal ) recebeu críticas de todos os lados - e por vários motivos -, dos seus parceiros europeus", salientou o jornal de referência holandês Trown, dizendo que em causa estava "a atitude" do primeiro-ministro, que "não é visto apenas como avarento, mas sobretudo como teimoso e pedante".
Nesta altura, ainda a cimeira não tinha chegado à parte mais intensa, já no início da madrugada, quando as discussões dentro da sala se incendiaram.
Perante uma rutura iminente nas discussões e um o falhanço da cimeira, a chanceler alemã, Angela Merkel criticou duramente o défice de solidariedade do grupo dos frugais.
O presidente francês acompanhou-a nas críticas. Mas, Emmanuel Macron foi mais longe, e ao que o DN apurou, chegou mesmo a exaltar-se, "num tom manifestamente irritado", com a atitude deste grupo, num momento crucial par a Europa.
À medida que as discussões avançaram, fontes ouvidas pelo DN, descreviam um clima de crispação, com o Rutte e Kurz isolados, dentro do grupo dos frugais, perante um certo distanciamento dos representantes da Dinamarca, Suécia, e até da Finlândia, que é autora do projeto que marcou a posição da linha dura, que pareciam alinhar na proposta que deixaria o fundo de recuperação com 400 mil milhões de euros para as subvenções.
Durante a madrugada, Charles Michel e Ursula von der Leyen procuraram fechar um acordo, com múltiplas reuniões rápidas, de geometria variável. Os trabalhos foram suspensos ao amanhecer e serão retomando a meio da tarde desta segunda-feira.