Catalunha: revés judicial para Junqueras será revés político para Sánchez?
A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) acusou o Supremo Tribunal espanhol de desobedecer à sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em relação ao seu líder, Oriol Junqueras, condenado a 13 anos de prisão pelo processo independentista catalão e impedido de assumir o cargo de eurodeputado para o qual foi eleito. Mas o revés na via judicial não deverá implicar um revés na via política para a Catalunha ou para Pedro Sánchez. Para já.
"Agora, mais do que nunca, é preciso abrir uma via política para resolver o conflito. Tirar o conflito dos tribunais e pô-lo numa mesa de negociação que culmine num referendo", afirmou o vice-presidente da Generalitat e número dois do partido, Pere Aragonès, na reação à decisão do Supremo espanhol. Mas deixou o aviso ao primeiro-ministro Pedro Sánchez: "Com imobilismo este governo não poderá continuar muito tempo."
A ERC, através da sua abstenção, permitiu a eleição do socialista Pedro Sánchez à frente de um governo de coligação com a Unidas Podemos, depois de negociar com o PSOE a abertura de uma mesa de diálogo para resolver o "conflito político na Catalunha". A ideia dos socialistas é renegociar o Estatuto da Catalunha, dando eventualmente mais poderes à região, submetendo-o depois ao voto dos catalães, enquanto os independentistas querem um referendo com a autorização do governo espanhol.
Esta quinta-feira da manhã, ainda antes de sair a sentença, Sánchez telefonou ao presidente da Generalitat, Quim Torra. No telefonema cordial de sete minutos, ambos concordaram em reunir-se quando houver um novo executivo -- o primeiro-ministro irá revelar a composição no domingo ao rei Felipe VI, sendo na segunda-feira a tomada de posse e na terça-feira o primeiro Conselho de Ministros.
O Supremo Tribunal espanhol rejeitou o pedido de libertação de Oriol Junqueras para que pudesse assumir o cargo de eurodeputado, considerando que se encontra inabilitado para o desempenho de qualquer cargo público por causa da condenação a 13 anos de prisão e outros tantos de inabilitação por envolvimento no processo independentista da Catalunha.
A informação foi enviada ao presidente do Parlamento Europeu, o italiano David Maria Sassoli, devendo ser agora "avaliada" pelas autoridades relevantes. Esta semana, o Parlamento Europeu reconheceu Junqueras -- além do ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont e do ex-conseller da Saúde Toni Comín, ambos no autoexílio em Bruxelas -- como eurodeputado. Algo que será efetivado na sessão plenária que começa na próxima segunda-feira.
A decisão surge depois de o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidir, a 19 de dezembro, que Junqueras tinha imunidade como eurodeputado desde que foram oficialmente proclamados os resultados das europeias de maio, isto é, desde 13 de junho. Não era preciso jurar o cargo sobre a Constituição numa cerimónia em Madrid, junto com os outros eurodeputados, como prevê a lei espanhola. Junqueras não foi autorizado a estar presente, partindo-se do princípio que se o fizesse teria também que ser autorizado a estar na sessão inaugural do Parlamento Europeu.
Na altura da proclamação dos resultados eleitorais, o ex-vice-presidente do governo catalão aguardava em prisão preventiva o resultado do julgamento (que tinha acabado um dia antes) e, segundo o tribunal europeu, devia ter sido autorizado a sair da prisão para assumir o cargo.
Para o Supremo, o facto de Junqueras ter sido condenado a 14 de outubro por sedição e peculato na organização do referendo de 2017 e consequente declaração unilateral de independência da Catalunha implica que ficou inabilitado para desempenhar o cargo de eurodeputado, pelo que não poderá ser libertado para viajar até Estrasburgo. E o tribunal também não irá empreender as medidas necessárias para pedir o levantamento da imunidade ao Parlamento Europeu, alegando que ele não goza desse privilégio.
O juiz do Supremo Tribunal, Pablo Llarena, que liderou o processo contra os independentistas, também deverá em breve decidir sobre os mandados de captura internacional que acionou contra Puigdemont e Comín, depois de o Parlamento Europeu lhes ter aberto a porta e garantido a sua imunidade. O levantamento desta terá que ser pedido pela justiça espanhola, se quer que avance o pedido de extradição que foi feito às autoridades belgas.
Os independentistas já criticaram a decisão, acusando o Supremo espanhol de "desobedecer" à sentença do tribunal europeu e deixar "o Estado fora da legislação da União Europeia". Contudo, na sua decisão de dezembro, o TJUE deixava nas mãos da justiça espanhola decidir o alcance da imunidade de Junqueras no momento atual, quando já existe uma sentença condenatória.
O Supremo lembra que a decisão europeia admite com caráter excecional manter a medida de prisão preventiva sempre que o tribunal responsável considera ser necessário e que, neste caso, Junqueras já não está em preventiva mas "a cumprir uma pena imposta por uma sentença firme cuja validade e eficácia não foram neutralizadas".
Aragonès, número dois da ERC, indicou que haverá um "recurso de súplica" ao mesmo tribunal, continuando depois para a justiça europeia. Ao mesmo tempo pediu a Sassoli para que "proteja a imunidade de Oriol Junqueras, um dos seus deputados". O vice-presidente da Generalitat disse ainda que "não ficaremos quietos, esgotaremos todas as vias viáveis que temos ao alcance", mas rejeitou o plano de Torra.
O presidente da Generalitat defendeu a ideia de ser passada uma "autorização de saída penitenciária" para permitir que Junqueras fosse a Estrasburgo na segunda-feira. Mas a defesa do líder da ERC recusou essa ideia. "Não iremos por caminhos incertos porque não queremos jogar com algo tão importante como a liberdade de uma pessoa", disse Aragonès.
A decisão do Supremo Tribunal sobre Junqueras antecede uma outra, que deverá ser tomada em breve, sobre o próprio presidente da Generalitat, Quim Torra.
Torra, do Junts per Catalunya (o partido de Puigdemont), foi condenado pelo Tribunal Superior de Justiça da Catalunha a um ano e meio de proibição de assumir cargos públicos por desobedecer à ordem da Junta Central Eleitoral para retirar os cartazes com os laços amarelos da varanda da Generalitat, em plena campanha eleitoral.
Depois dessa decisão do Tribunal Superior catalão, a Junta Central resolveu que Torra teria que ser afastado de imediato do cargo de deputado autonómico, o que implicaria a sua saída da chefia do governo catalão, já que o Estatuto da Catalunha obriga que o presidente da Generalitat seja deputado. Torra alega contudo que só pode ser destituído pelo Parlamento catalão.
Em resposta, o Parlamento catalão (de maioria independentista) aprovou uma resolução no sábado em que ratificou o cargo de deputado de Torra, qualificando a decisão da Junta Central de "tentativa de golpe de Estado". No mesmo dia o presidente da Generalitat anunciou que ia recorrer para o Supremo Tribunal Espanhol, tendo já admitido que é muito provável que o processo acabe com a sua inabilitação dentro de uns meses.
Caso isso aconteça, o vice-presidente Pere Aragonès assumirá a presidência, tendo já defendido que o Parlamento deveria votar depois num novo líder da Generalitat. "A nossa prioridade é acabar a legislatura", disse Aragonès. Palavras que não agradaram ao Junts per Catalunya, reforçando a tensão entre os sócios de governo sobre o caminho a seguir.
É que com Torra sob ameaça de ser afastado da presidência da Generalitat e com Puigdemont com a imunidade de eurodeputado, o Junts estaria mais inclinado na ideia de antecipar as eleições. Apesar de a ERC estar em ascensão na Catalunha, de acordo com as diferentes eleições, o Junts poderia aproveitar o facto de o partido de Junqueras ter mudado de posição em relação à investidura de Sánchez para tentar voltar a ser a formação independentista mais votada.
A Esquerda Republicana da Catalunha negociou com o PSOE a abertura da via do diálogo, diante da desconfiança do Junts per Catalunya, que acabou por votar contra a investidura do líder socialista.