Campeã do salário mínimo será primeira mulher líder do SPD
Martin Schulz apresentou ontem a demissão da liderança do SPD, com efeitos imediatos, na expectativa de pôr um ponto final na agitação interna que se vive entre os sociais-democratas alemães por causa do acordo assinado entre este partido e os democratas-cristãos da CDU-CSU, da chanceler Angela Merkel, para a viabilização de um novo governo de grande coligação.
Mas a agitação vai continuar e, muito provavelmente, intensificar-se até. Não só o partido tem ainda de ratificar o acordo, em referendo aos seus 464 mil militantes a 4 de março, sendo imprevisível qual o desfecho, como logo a seguir, a 22 de abril, irá escolher o sucessor de Schulz - que, tudo indica, será Andrea Nahles, de 47 anos, o nome indicado pela direção do partido. Pela primeira vez nos seus 155 anos de história, o SPD será dirigido por uma mulher.
Uma mulher que vai herdar, raras vezes tão dividido como está hoje, o SPD e que terá, por isso, uma difícil tarefa pela frente. O SPD atravessa um mau momento eleitoral, tendo-se ficado por 20,5% nas legislativas de setembro de 2017, um resultado que muitos no partido interpretam como resultado da participação no anterior governo de Merkel. Pior ainda, continua em queda nas sondagens (está nos 16,5%) e, como referido, profundamente dividido entre os pró-GroKo e anti-GroKo (acrónimo de grande coligação em alemão). O debate sobre nova participação num governo com a CDU acentuou também as diferenças entre as alas de esquerda e de centro e entre o partido em si e a formação da juventude, os Jusos. O dirigente destes, Kevin Kuehnert, faz campanha pelo não à GroKo. Nahles comprometeu-se a fazer campanha pelo sim.
A imprensa alemã espelhou bem o clima que se vive no SPD, com o Sueddeustsche Zeitung mostrando-a, num cartoon, a cavalo de um caracol com a insígnia do partido e empunhando um chicote, chamando-lhe a "mulher dos escombros" - referência às mulheres que limparam e reconstruíram as cidades destruídas na II Guerra Mundial.
De algum modo, a própria designação de Nahles exemplifica a divisão no SPD. Num momento em que se espera nova coligação com a CDU, o partido escolhe para líder uma figura da ala esquerda. Nahles, nascida em Mendig (na Renânia--Palatinado), é militante do importante sindicato IG Metall, habitualmente conotado com a esquerda, defende as 28 horas por semana reivindicada por esta organização, sendo aliás uma das raras figuras políticas a fazê-lo.
Atual líder da bancada parlamentar do SPD, Nahles foi ministra do Trabalho no anterior governo, tendo sido sobre a sua égide que foi estabelecido o salário mínimo. Adversária declarada do ex-chanceler Gerhard Schröder, a quem chamou "demolidor da social-democracia", é conhecida pela sua linguagem direta e determinação. Dela disse o líder agora demissionário: "É ao mesmo tempo o martelo e a bigorna. Dá golpes contundentes e também os encaixa na perfeição."
Se os militantes do SPD votarem contra a coligação com a CDU, o resultado mais provável serão legislativas antecipadas, em que Nahles quase certamente será candidata. Se o partido não continuar a cair nas intenções de voto, irá concretizar-se o sonho expresso no final dos anos 1980 por uma então jovem estudante do secundário sobre o que antecipava para o seu futuro: "Ser dona de casa ou chanceler?"