Bush e Obama em dueto contra Trump
Num gesto inédito, em momentos separados, os anteriores presidentes criticaram as políticas do atual presidente em toda a linha
Algumas notícias da atualidade nos Estados Unidos da América: há mais 3,5 milhões de cidadãos sem seguro de saúde desde a chegada à Casa Branca de Donald Trump; o presidente tuíta sobre os números de crimes em Inglaterra, ligando o aumento de 13% ao terrorismo islâmico; um juiz federal tornou letra morta o controverso perdão presidencial ao ex-xerife de Maricopa, Arizona, Joe Arpaio, um convicto racista; o general John Kelly defende Trump sobre a conversa que este manteve com a viúva de um militar morto no Níger (na qual terá dito "ele sabia ao que ia"). Com menos estrondo mediático, mas um sinal da atual liderança: há mais brancos e homens nos cargos de nível média da administração Trump do que nas anteriores, um padrão que repete o dos cargos de topo em Washington. Em mais de mil postos de trabalho preenchidos em meados deste ano, 88% são brancos não hispânicos e 62% são homens. Segundo o censo de 2016, 61% dos norte-americanos são brancos não hispânicos e, quanto ao género, 49% são homens. E numa jogada inédita nos tempos modernos, os dois anteriores presidentes saíram a terreiro, quase em simultâneo, num coro de críticas às políticas de Trump.
George W. Bush e Barack Obama têm pouco em comum, mas na quinta-feira mostraram -se unidos contra o atual ocupante da Casa Branca. Sem nunca o mencionar, o republicano de 71 anos e o democrata de 56 demoliram o atual momento político e o seu principal responsável: Donald Trump. Ficou célebre pelo humor involuntário, ao ponto de se cunhar o termo bushismo a tiradas como "os nossos inimigos não param de pensar em novas formas de fazer mal ao nosso país e ao nosso povo, e nós também" ou "os seres humanos e os peixes podem coexistir pacificamente", mas W. Bush, após nove anos longe dos holofotes, demonstrou uma assertividade sem nonsense como poucas vezes se ouviu.
O 43.º presidente norte-americano sofreu duras críticas de Trump devido aos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001 e pela guerra no Iraque, e o seu irmão Jeb foi derrotado nas primárias republicanas pelo empresário. A discursar no Bush Institute, em Nova Iorque, num fórum sobre liberdade, mercado livre e segurança, afirmou que "o bullying e os preconceitos na vida pública estabelecem um tom nacional, abrem caminho à crueldade e à intolerância e comprometem a educação moral das crianças. A única maneira de transmitir valores cívicos é viver de acordo com eles". Trump, em plenas funções presidenciais, não se coíbe de insultar outros políticos, como Hillary Clinton.
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Sobre as manifestações de supremacistas e as limitações à entrada de estrangeiros no país Bush também se pronunciou: "Temos visto o nacionalismo distorcido em xenofobia, e esquecido o dinamismo que a imigração sempre trouxe para a América. As pessoas de todas as raças, religiões e etnias podem ser inteira e igualmente americanas. Isto significa que a intolerância ou a supremacia branca são uma blasfémia contra o credo americano." Bush deu uma alfinetada ao unilateralismo: "Há uma queda na confiança dos valores dos mercados livres e do comércio internacional, esquecendo que o conflito, a instabilidade e a pobreza são consequências do protecionismo. Assistimos ao regresso dos sentimentos isolacionistas, esquecendo que a segurança americana é diretamente ameaçada pelo caos e desespero de lugares distantes."
Teste a Trump
Se o silêncio de W. Bush sobre a ação presidencial durou nove anos, o de Obama chegou aos nove meses. O político que vê o seu legado posto em causa em toda a linha, da reforma da saúde à aos acordos internacionais do clima e do comércio, à proteção do ambiente, advertira que o silêncio poderia ser quebrado caso visse "valores fundamentais" em risco.
Em dois comícios de apoio aos candidatos democratas das eleições para governador em Nova Jérsia e Virgínia, o predecessor de Trump insurgiu-se contra "as políticas tão divisivas e sórdidas" que "corroem" a democracia norte-americana. "Precisamos que levem isto [as eleições] a sério porque a nossa democracia está em jogo (...) Vão enviar uma mensagem para este grande país e para todo o mundo", incitou. Com estas palavras, Barack Obama está a preparar terreno para uma mudança de direção e de clima político: em 2018 , um terço dos senadores e a totalidade dos congressistas vão ser eleitos e neste momento os republicanos formam a maioria dos representantes nas duas câmaras.