Brexit: Cameron tem 4 meses para manter britânicos na UE

Depois do acordo em Bruxelas, primeiro-ministro marcou referendo para 23 de junho. Eleitores dividem-se. O governo também.

Depois de uma maratona negocial de 30 horas em Bruxelas para chegar a um acordo que evite a saída do Reino Unido da União Europeia, David Cameron anunciou ontem, já em Londres, a data para o referendo sobre o chamado brexit: 23 de junho. O chefe do governo conservador tem agora quatro meses para convencer os britânicos a ficarem na Europa. Uma batalha interna que promete ser tanto ou mais difícil do que a que travou com os parceiros europeus. Inclusive dentro do seu próprio governo, com seis ministros a ter já anunciado que vão fazer campanha pela saída.

"Adoro Bruxelas. Adoro o Reino Unido. Sou o primeiro a dizer que ainda há muitas maneiras que a Europa tem de melhorar e que a tarefa de reformar a Europa não termina com o acordo de ontem [sexta-feira]", afirmou Cameron aos media, diante do número 10 de Downing Street. Acabado de sair da primeira reunião do governo britânico a um sábado desde 1982 e a guerra das Falklands/Malvinas, o primeiro-ministro garantiu ainda que "essa não é a questão neste referendo. A questão é se vamos estar mais seguros, mais fortes e melhor trabalhando numa Europa reformada ou sozinhos". E sublinhou: "Deixem-me ser claro: deixar a Europa ameaçaria a nossa economia e a segurança nacional."

Passados 43 anos sobre a adesão do Reino Unido à UE, Cameron conseguiu um acordo com os 27 parceiros europeus que garante ao país um estatuto especial dentro da União. Uma das medidas que mais debate gerou nas negociações em Bruxelas foi o chamado "travão de emergência". Este vai permitir a Londres limitar os benefícios sociais a imigrantes recém-chegados durante sete anos. Além disso, o acordo prevê que o abono de família possa ser pago, aos novos habitantes, de acordo com as condições do país onde a criança vive. A partir de janeiro de 2020, a indexação do abono de família pode ser aplicada a todos os requerentes. O Reino Unido também fica de fora das medidas para o aprofundamento do processo da integração europeia.

Estas medidas só se aplicarão caso os britânicos votem a favor da permanência na UE no referendo de 23 de junho. Este vai coincidir não só com o festival de música de Glastonbury, mas também com o Europeu de futebol em França.

O "gangue dos seis"

Com uma longa e difícil relação com a UE, o Reino Unido surge de novo dividido antes do referendo sobre o brexit. Uma sondagem divulgada na sexta-feira mostra que a saída da Europa é o cenário favorito dos britânicos. Segundo as opiniões recolhidas pela TNS, se a votação fosse hoje, 36% dos britânicos votariam a favor de abandonar a União e 34% para permanecer no bloco europeu, enquanto 23% estão indecisos e 7% dizem que não participarão na votação.

O próprio governo de Cameron não escapa às divisões. O ministro da Justiça, Michael Gove, lidera o grupo de seis ministros dissidentes que já anunciaram a intenção de fazer campanha pelo brexit. Horas depois de o primeiro-ministro ter anunciado a data do referendo, Gove deixou-se fotografar na sede da campanha Vote Leave, com os colegas de executivo, o ministro do Trabalho e Pensões, Iain Duncan Smith, o da Cultura, John Whittingdale, o presidente da Câmara dos Comuns, Chris Grayling, a ministra da Irlanda do Norte, Theresa Villiers, e o secretário de Estado do Emprego, Priti Patel, que participa nos Conselhos de Ministros.

O "gangue dos seis", como lhe chamou o The Guardian, posou ao lado de um cartaz onde se podia ler: "Vamos retomar o controlo!" O grande ausente neste grupo era Boris Johnson. O mayor de Londres, que deixa a presidência da câmara da capital em maio e é apontado como um dos favoritos a suceder a Cameron à frente dos conservadores britânicos, ainda não esclareceu se vai fazer campanha pela saída ou pela permanência do Reino Unido.

Nesta sua longa luta para manter os britânicos na União, Cameron conta com o apoio de Jeremy Corbyn e do seu Partido Trabalhista. O líder do Labour criticou o acordo alcançado pelo primeiro-ministro conservador, que disse estar "mais preocupado em acalmar os seus opositores" do que em "garantir os empregos" dos britânicos. Mesmo assim, Corbyn confirmou que vai fazer campanha para manter o Reino Unido na Europa porque isso traz "investimentos, empregos e proteção aos trabalhadores e consumidores britânicos".

Alerta escocês

Caso o Reino Unido vote a favor da saída da União Europeia no referendo de junho, contra a vontade dos escoceses, a pressão para uma nova nova consulta sobre a independência vai crescer. O alerta foi deixado pela primeira-ministra escocesa, a nacionalista Nicola Sturgeon. A chefe do executivo de Edimburgo reafirmou ser a favor da permanência do Reino Unido na UE, tal como a larga maioria dos cinco milhões de escoceses.

Uma posição que pode contudo não ser suficiente para fazer pender a balança para o lado da permanência, caso os 53 milhões de ingleses (84% da população do Reino Unido) votem esmagadoramente a favor do brexit. "As sondagens mostram que por todo o Reino Unido este referendo está no fio da navalha e por isso é tão importante que a campanha pela permanência seja positiva", explicou Sturgeon, cujo SNP conquistou 56 dos 59 deputados da Escócia nas eleições de maio. Também Alex Salmond, antecessor de Sturgeon à frente do governo escocês, garantiu: "Se formos arrastados para fora por um eleitorado britânico muito maior, a pressão para um novo referendo sobre a independência da Escócia seria irresistível e, penso, muito rápido."

Uma eventual saída do Reino Unido deixaria ainda mais abalada uma União Europeia já dividida pela crise dos refugiados e ainda não recomposta da crise da dívida. Até porque, sem os britânicos, a União perderia a sua segunda maior economia (atrás da alemã) e o seu principal centro financeiro.

No Reino Unido há também quem alerte para os malefícios do brexit. Empresas como a petrolífera BP ou a farmacêutica GlaxoSmith-Kline avisaram que a economia britânica, com um PIB de 2,9 biliões, enfrentaria anos de incerteza fora da UE. E o banco de investimento Goldman Sachs admite que a libra pode desvalorizar um quinto.

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