Bougainville: a ilha com nome de flor vota para ser independente
O próximo país independente poderá nascer no mar de Salomão, nos confins do oceano Pacífico. A partir deste sábado, a Região Autónoma de Bougainville, onde vivem cerca de 300 mil pessoas, começa a votar num referendo que está a ser desenhado há quase 20 anos e que tem como objetivo tornar-se independente da Papua Nova Guiné.
Para trás ficou uma década de guerra civil, entre o Exército Revolucionário de Bougainville e as autoridades papuas. O conflito que estava latente desde finais dos anos 1960 rebentou em 1988, tendo como pano de fundo os lucros da grande mina a céu aberto de ouro e cobre de Panguna, e só acabou em 1998. Pelo meio, deixou a antiga capital Arawa em escombros (a atual capital é Buka, mas há planos para voltar a Arawa) e terão morrido entre dez mil e vinte mil pessoas.
O acordo de paz que foi negociado ao longo de dois anos com o apoio da Austrália e da Nova Zelândia e foi assinado em 2001 incluía a eleição de um governo para a região autónoma (o que acontece desde 2005), a entrega e destruição das armas (que ainda continua) e um referendo que teria que ser realizado, no máximo, até junho de 2020, tendo este sido adiado em duas ocasiões.
O referendo inclui duas possibilidades: maior autonomia ou a independência. Estima-se que haja uma clara maioria de eleitores (dois terços ou mais de um total de 206 mil) que opte por esta última opção. "Tal deve-se a um conjunto de fatores: o seu antigo sentimento de identidade étnica separada da Papua Nova Guiné, animosidade residual após anos de guerra e uma sensação de falhanço do atual modelo de economia e reservas sobre o seu futuro como parte da Papua Nova Guiné", lê-se num relatório de outubro do Lowy Institute.
A votação que começa este sábado prolonga-se até 7 de dezembro (90% da população vive em zonas rurais e metade é analfabeta, resultado dos longos anos de guerra que impediram muitos de ir às aulas), sendo o resultado conhecido duas semanas depois.
Mas o acordo de paz não previa que o referendo fosse vinculativo, sendo necessária a luz verde do Parlamento da Papua Nova Guiné. E é aí que surgem os problemas, havendo quem duvide que Bougainville tenha recursos para ser um país independente (economicamente está ainda muito dependente), sendo necessária uma negociação entre o governo papua e os líderes de Bougainville.
Em setembro, o primeiro-ministro da Papua Nova Guiné, James Marape, visitou a província e prometeu o apoio total ao processo de referendo, defendendo a necessidade de este decorrer em segurança. Mas a verdade é que a independência ainda pode demorar anos.
"Tal como todos os outros passos desde o final do conflito sangrento, a jornada vai continuar a precisar de tempo, paciência e de um compromisso inabalável na paz por meios pacíficos. Também vai precisar do apoio contínuo da comunidade internacional à medida que os dois governos conversam, procuram compromissos e alcançam um consenso"; escreveu no The Guardian Bernie Ahern, que foi primeiro-ministro da Irlanda entre 1997 e 2008 e é o presidente da comissão responsável pelo referendo.
Se ao ler Bougainville pensou nas buganvílias, não andou longe. A flor não é nativa da ilha, mas o nome de ambas tem a mesma origem: o almirante da marinha francesa Louis Antoine de Bougainville, que nas suas expedições andou por esta zona do Pacífico. A flor é nativa da América do Sul, tendo sido descrita pela primeira vez pelo botânico europeu Philibert Commerçon, que acompanhou Bougainville na sua viagem científica de circum-navegação da Terra em 1763.
Formada por 168 ilhas (a maior é Bougainville), a Região Autónoma fica geograficamente localizada na continuação do arquipélago das Ilhas Salomão (de facto era anteriormente a província de Salomão do Norte). Mas, politicamente, é uma província da Papua Nova Guiné (a 700 quilómetros para Oeste) desde a independência deste país da Austrália, em 1975.
Habitada há quase 30 mil anos, o primeiro europeu a ter contacto com os habitantes da atual Região Autónoma de Bougainville foi o almirante francês que deu o seu nome à principal ilha. Mas os franceses não ficaram lá. O arquipélago acabaria sob o controlo da Nova Guiné Alemã em 1885, passando para a influência australiana em 1914, na I Guerra Mundial.
Ocupada pelos japoneses na II Guerra Mundial, Bougainville foi palco de intensos combates com as forças aliadas, estimando-se que um quarto da população indígena tenha morrido. Os australianos voltaram a ficar com o controlo depois disso nas ilhas, localizadas estrategicamente nas águas que separam a Ásia da América.
A descoberta de uma mina gigante de ouro e cobre em Panguna, nos anos 1960, alterou para sempre a paisagem da ilha (a mina é a céu aberto), mas também o seu futuro. A exploração mineira começou em 1972 e já na década de 1970, os dividendos da mina eram responsáveis por 14% do PIB da Papua Nova Guiné e quase 50% das exportações.
"Apesar de a mina ter trazido infraestruturas e ajudado a modernizar Bougainville, as desigualdades percebidas na distribuição de remuneração e receita alienaram as populações locais. Desde o início, a mina provocou protestos, com as mulheres a retirar marcadores de pesquisa e a colocarem-se diante dos bulldozers", lê-se num relatório de outubro do Lowy Institute.
Na mina, gerida por uma subsidiária da australiana Rio Tinto, o facto de ter sido necessário recorrer a mão de obra do resto da Papua e as críticas à forma de distribuição dos rendimentos da exploração mineira fomentaram vários movimentos separatistas. A 1 de setembro de 1975 chegou a haver uma declaração unilateral de independência, ignorada tanto pela administração australiana que estava de saída, como a da Papua Nova Guiné que ia entrar.
Tais movimentos culminaram na guerra em 1989, que obrigou a cessar os trabalhos em Panguna. A mina não reabriu desde então, mas a promessa de riqueza continua viva.
"Apesar de Bougainville ter abundantes recursos naturais e uma geração mais velha qualificada, como nação independente irá enfrentar muitos desafios, incluindo autossuficiência fiscal, consenso sobre as questões de mineração, unidade e integridade política", acrescenta.
Em relação ao futuro económico da ilha, a China tem estado a apostar na região, tendo assinado acordos com as Ilhas Salomão no mês passado (abandonado a lealdade para com Taiwan). O mesmo fez o Kiribati, mostrando o interesse chinês na região. Do outro lado, os EUA, tal como a Austrália, a Nova Zelândia e o Japão têm providenciado fundos para ajudar na realização do referendo.