Borsonaro, Dr. Sobrancelha, Ney da Dupla Rud e Ney. Candidatos anónimos nas municipais apresentam-se

Em Jaboticabal, concorre a prefeito um primo de Bolsonaro alinhado às ideias do presidente mas traído pela ortografia. Em Campinas, um comunista esteticista quer ser vereador. Em Ibaté, vai a votos a segunda metade de um duo de cantores famosos
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"Foi um erro de ortografia: o nosso bisavô era Bolsonaro, com "l", os meus tios são todos com "l", mas do lado dos meus pais saiu com "r" por erro na hora de fazer a certidão, agora as pessoas pegam no meu pé por eu ser com "r" mas isso não é importante, tenho a certidão de nascimento dos meus bisavós e vou tratar de corrigir isso oficialmente, judicialmente. Entretanto, apresento-me nas urnas como "Bolsonaro" e não como "Borsonaro"".

O candidato Marcos Borsonaro, que prefere ser conhecido como Marcos Bolsonaro, dá, pacientemente, ao DN a explicação que já teve de dar milhares de vezes a quem lhe pergunta porque, sendo primo do presidente da República, se chama Borsonaro e não Bolsonaro.

"O sotaque caipira pode ter levado a isso, temos todos sotaque forte por estas regiões", prossegue Marcos - é melhor trata-lo só assim para evitar confusões -, ele próprio acentuando o "r" da palavra "forte". Em Jaboticabal, cidade com pouco mais de 75 mil habitantes cerca de 360 km a norte de São Paulo autodenominada "Athenas Paulista", é comum trocar as palavras "filme" por "firme", às vezes até "TV Globo" por "TV Grobo" e, portanto, "Bolsonaro" por "Borsonaro".

"O importante, no entanto, é que a minha linha é a mesma dele, de direita, com base na ética, na moral, na disciplina e na defesa da família", adverte Marcos.

"Sou primo em terceiro grau, voltei a manter contacto com a família ao trabalhar pela candidatura do Eduardo Bolsonaro a deputado federal e também pela candidatura da Letícia Aguiar, que o Jair Bolsonaro chama de filha".

"Os nossos avós vieram para a região de Cosmópolis, como muitos outros emigrantes italianos, para trabalharem numa fazenda. À medida que os descendentes foram ganhando o seu dinheiro, compraram as próprias fazendas, cada um na sua região, o ramo dele foi mais para o Vale da Ribeira [sul de São Paulo], o meu para Monte Alto e Taíúva [cidade onde mora o ex-atacante benfiquista Jonas], perto de Jaboticabal", explica.

"De formação, sou professor de matemática e pedagogia com pós-graduação em didática, mas nunca exerci, concorri a um cargo na secretaria da agricultura, onde estive 10 anos, depois fui para uma empresa japonesa do setor farmacêutico, reformei-me e agora entro na política".

É um novato, em matéria eleitoral, mas não propriamente um inexperiente: "Gosto de política, sempre estive nos bastidores, preocupado com a cidade e em ajudar os candidatos que preferia, mas desta vez decidi sair dos bastidores e ir diretamente para o cenário".

Escolheu o PSL, o partido pelo qual o primo famoso ganhou as presidenciais (2018) mas posteriormente (2019) rompeu. "Sim, mas, enfim, eu preciso calçar um sapato para entrar na política e calcei este, que é o do maior partido da direita brasileira".

"E estou sem coligações porque coligações só geram troca-troca de cargos e transformam a política num balcão de negócios".

Jair ainda não se referiu à eleição na pequena Jaboticabal mas o primo não perde a esperança de contar com uma mensagem diretamente do Palácio do Planalto. "Apoiamos a campanha dele e do filho e agora espero uma contribuição, agradeceria muito..."

Como candidato a vice-prefeito, Marcos tem a seu lado Coronel Artioli. "Sou coronel veterano da polícia militar e aceitei fazer parte da candidatura porque o Marcos é honrado, decente, tem os mesmos ideais de direita, de conservadorismo, de um ensino sem partidos, de resgatar os valores da família, por isso aceitei o desafio".

Até parece uma réplica da dupla Bolsonaro e Hamilton Mourão, a nível nacional. "Sim, é uma lista similar, também comungamos dos mesmos valores, e queremos ter a nível local a ligação que eles têm na esfera federal", finalizou o coronel.

Não há até agora sondagens oficiais na cidade mas levantamentos partidários independentes colocam Marcos Borsonaro/Bolsonaro por volta do terceiro lugar numa eleição muito concorrida e cheia de brigas ideológicas, à semelhança do panorama nacional.

Mais a sul, em Campinas, uma metrópole de 1,3 milhões de habitantes 100 km a norte de São Paulo, um nome se destaca entre o batalhão de candidatos a vereador da cidade: o "Dr. Sobrancelha".

Romário Rocha, o nome por trás do Dr. Sobrancelha, assim como Bruce Wayne está para Batman, embora se candidate pela primeira vez tem perfil politizado, como o referido Borsonaro. "É a primeira vez que me candidato mas já trabalhei com política", conta ao DN.

E porquê Dr. Sobrancelha?

"O nome começou há 15 anos", diz o próprio. "Moro em Campinas, a maior metrópole do Brasil de entre as cidades que não são capitais estaduais, há 25 anos, mas sou de Muzambinho, Minas Gerais, licenciei-me em administração de empresas, com gestão em beleza, mas o meu talento específico sempre foi cuidar de sobrancelhas".

"Entretanto, como sempre estive ligado aos media, um dia foi convidado para um evento televisivo, no qual surgi com um jaleco [casaco] todo branco, a apresentadora disse que eu parecia um doutor e assim me tornei o dr. Sobrancelha".

O conceito foi inspirado no do Dr. Rey, um cirurgião plástico brasileiro radicado nos EUA, que foi pré-candidato à presidência em 2018 e se ofereceu, a meio das demissões de dois ministros da saúde na pandemia, para ocupar o cargo no governo de Jair Bolsonaro.

"Na época em que me tornei Dr. Sobrancelha, ele protagonizava um reality show chamado "Dr. Hollywood", e como eu, Romário Rocha, até tinha as mesmas iniciais dele, Roberto Rey, ficou..."

Ao contrário do Dr. Hollywood, que admira Bolsonaro, o Dr. Sobrancelha candidata-se pelo PCdoB, o Partido Comunista do Brasil, um dos maiores alvos do presidente da República. E preocupa-se com diversidade, tema que está longe de ser uma prioridade do Planalto.

"Sou candidato pelo PCdoB, um dos mais antigos e tradicionais do Brasil, que aposta na diversidade, nas causas LGBT, que me interessam muito, mas também nos negros e noutras minorias, na livre escolha", afirma.

"O comunismo tem sido muito castigado pelos media e distorcido por situações ocorridas noutros países, mas no Brasil o PCdoB é um partido que se está a transformar e que me dá toda a liberdade".

"Bolsonaro? Sou contra quem impede que o Brasil cresça, independentemente de quem quer que seja, defendo que todos tenham uma oportunidade, moradia, emprego, defendo menos desigualdade, então isso é socialismo...", remata o Dr. Sobrancelha.

No Brasil talvez não mas na pequena Ibaté todos os 32.819 habitantes conhecem a Dupla Rud e Ney. Entretanto, como Neys há muitos, o candidato Ney resolveu ir para a guerra por um cargo como vereador sob o nome "Ney Da Dupla Rud e Ney".

"Não somos famosos nacionalmente mas aqui na cidade todos nos conhecem, daí veio o convite para me lançar na política e como por Ney podiam não me conhecer me lancei com esse nome de guerra, "Ney Da Dupla Rud e Ney", dessa forma já toda a gente me conhece", diz, nas suas próprias palavras, o candidato ao DN.

Por estar em São Paulo, um dos estados mais permeáveis ao ritmo sertanejo, a dupla rendeu-se ao estilo. Mas, como Rud e Ney são naturais da Bahia, o repertório dos irmãos é eclético. " Também damos um toque baiano, com ritmos como arrocha, pisadinha e outros".

"Somos de Pintadas, cidade no interior da Bahia, viemos de lá em 1998, primeiro o meu pai, depois a minha e mãe e nós, os nove irmãos, cinco homens e quatro mulheres, todos humildes, graças a Deus".

"Viemos à procura de uma melhoria de vida e começamos todos a trabalhar. Eu, que tenho 38, e o meu irmão Rud, que tem 40, acabamos por ir para o setor da música, fazemos os nossos showzinhos, ganhamos os nossos cachês, lançamos os nossos CD, dá para levar a vida, se bem que agora na pandemia sofremos bastante".

E, caso eleito, o que vai Ney fazer na câmara? "Como não conheço nada deste meio da política, não posso garantir aos eleitores "olha, vou fazer isso, isso e isso", porque não sei se posso fazer mesmo, o primeiro objetivo é entrar na câmara de vereadores e, depois, tentar lançar projetos mais ligados à cultura, à música".

"Queria dar uma força ao "Clube dos Violeiros", um clube muito bom que atrai músicos da região inteira, esse será um foco de apoio meu se for eleito", lembra-se entretanto.

Candidato pelo PSB, uma força conotada com o centro-esquerda, o cantor não tem, no entanto, uma opinião formada ainda sobre Bolsonaro. "O Bolsonaro é normal para mim: os políticos são assim, elogiados e criticados, algumas coisas são boas, outras não, eu envolvi-me na política e agora vamos ver, seja o que Deus quiser".

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