Rainha manda suspender Parlamento a pedido de Boris Johnson
Primeiro-ministro britânico pediu a Isabel II - e esta acedeu - que suspenda o Parlamento entre 10 de setembro e 14 de outubro. Boris Johnson acusado de jogada antidemocrática e ditatorial para calar opositores do No Deal Brexit. Rebeldes conservadores poderão unir-se à oposição para provocar eleições antecipadas
Theresa May perdeu a guerra com o Parlamento britânico. Este conseguiu recuperar o controlo no que toca ao Brexit. Apesar de não ter conseguido com isso encontrar uma maioria alternativa ao plano que ela negociou com a UE27 sobre o Brexit. Acabou por demitir-se do cargo, depois de muito resistir, depois de muitas e longas sessões, debates e votações na câmara dos Comuns. Sempre com os característicos gritos do speaker. John Bercow tornou-se mundialmente famoso com os seus clamores por Order!, Order!, Order!
Boris Johnson, o sucessor de May no N.º 10 de Downing Street, parece não estar com disposição para passar pelo mesmo. E esta quarta-feira materializou aquilo que há semanas circulava nos media britânicos como hipótese para impedir que os deputados tentem travar um No Deal Brexit: o novo primeiro-ministro britânico e líder do Partido Conservador foi hoje à residência da Rainha Isabel II em Balmoral, na Escócia, pedir à monarca que prorrogue o Parlamento. Apesar da palavra, na prática a prorrogação significa suspensão, suspensão do Parlamento. A Rainha aceitou o pedido do chefe do governo no sentido de preservar a sua independência em relação à política (o movimento anti-monárquico Republic argumenta, porém, que a Rainha poderia escolher se aceita prorrogar ou não, caso contrário apenas mostrará a impotência da sua figura perante uma crise como esta e a insignificância dos poderes da monarca).
No comunicado emitido pela Rainha após o conselho de Balmoral lê-se que esta ordena "a prorrogação do Parlamento não antes de 9 de setembro e não depois de 12 de setembro até ao dia 14 de outubro de 2019" e indica "o Lorde Chanceler [Robert Buckland] para preparar uma comissão nesse sentido". Entre os presentes neste conselho esteve Jacob Rees-Mogg, atual líder da câmara dos Comuns e do think thank eurocético European Research Group. Brexiteer radical, foi ele o autor da moção de censura interna no Partido Conservador a Theresa May, em dezembro do ano passado). Planeados há já vários protestos contra a prorrogação do Parlamento em todo o país.
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A reentrée parlamentar no Reino Unido está marcada para o dia 3 de setembro e os opositores de um Brexit duro, liderados pelo Labour, tinham em mente iniciar um conjunto de procedimentos legislativos para impedir que o Reino Unido saia da UE sem um acordo a 31 de outubro.Na terça-feira, o líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn, chefiou uma reunião com os liberais-democratas, os nacionalistas escoceses e os independentistas, no sentido de delinear uma estratégia para, através de mecanismos parlamentares, travar os brexiteers radicais. Os mesmos admitiram mesmo organizar um Parlamento alternativo se necessário fosse.

Boris Johnson na câmara dos Comuns a 25 de julho
© EPA
No entanto, com esta jogada de Boris Johnson, o Parlamento ficaria suspenso entre 10 de setembro e 14 de outubro, data em que seria inaugurada uma nova legislatura com o tradicional discurso da Rainha. Um formalismo, pois apesar de ser lido por Isabel II, é escrito pelo governo. Durante esse período, todas as iniciativas legislativas são dadas como mortas, terminadas. Nessa data, ficam a faltar apenas três dias para último Conselho Europeu antes da data prevista para o Brexit e os deputados consideram que não haverá tempo para apresentar, debater e votar novas propostas.
"Os deputados terão muito tempo para debater o programa do governo e a sua abordagem ao Brexit antes do Conselho Europeu [a 17 e 18 de outubro] e podem, uma vez conhecido o resultado, depois votar a 21 e 22 de outubro", disse Johnson à televisão Sky News, ao confirmar que pediu permissão à Rainha Isabel II para suspender o Parlamento por cinco semanas. "Se eu conseguir concluir um acordo com a União Europeia, o Parlamento poderá então aprovar a lei para a ratificação do acordo antes de 31 de outubro", sustentou, numa altura em que obteve da UE - de forma informal - cerca de um mês para apresentar alternativas credíveis ao contestado ponto do backstop (mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda depois de o Reino Unido sair da UE).
A prorrogação do Parlamento - e o discurso da Rainha - é um procedimento perfeitamente habitual no Reino Unido. É isso que argumenta Boris. O problema não é a prorrogação, propriamente dita, mas o contexto - e o período temporal - em que ela acontece. Questionado sobre as críticas, afirmou que é "completamente falso" que queira limitar a ação dos deputados que se opõem à sua estratégia para o Brexit. "As semanas que antecedem o Conselho Europeu são vitais para as negociações com a UE. Ao mostramos unidade e determinação, temos a possibilidade de obter um novo acordo que possa ser adotado pelo Parlamento", disse o líder conservador, prometendo que o discurso da Rainha servirá para enunciar um novo programa. "Temos que nos focar em prioridades cruciais, como ajudar o NHS [serviço nacional de saúde], combater a violência e o crime, investir nas infraestruturas e na ciência e reduzir o custo de vida [no Reino Unido]". Apesar de tudo o que disse, o primeiro-ministro britânico foi imediatamente acusado de deriva antidemocrática e ditatorial. Tanto dentro, como fora da UE.
"Não recebi qualquer contacto do governo, mas se as notícias de que pretende suspender o Parlamento se confirmarem, é um escândalo constitucional", afirmou o speaker da câmara dos Comuns, John Bercow, citado pela BBC."É absolutamente evidente que o objetivo da suspensão é impedir o Parlamento de debater o Brexit e de cumprir o seu dever de definir uma trajetória para o país". Para Bercow, suspender o Parlamento "seria uma ofensa ao processo democrático e aos direitos dos deputados enquanto representantes eleitos pelo povo".
O líder do Labour, Jeremy Corbyn, denunciou "um ultraje" e "uma ameaça para a democracia". O dirigente trabalhista declarou estar profundamente "chocado com a imprudência do governo de Boris Johnson, o qual fala sobre soberania, mas ao mesmo tempo procura suspender o Parlamento para evitar escrutínio dos seus planos sobre um imprudente No Deal Brexit". Corbyn indicou, posteriormente, que escreveu à Rainha a protestar "nos termos mais fortes e possíveis" contra a jogada por parte do governo do Partido Conservador. Também a nova líder dos liberais-democratas, Jo Swinson, anunciou que escreveu à Rainha a pedir uma reunião urgente com a monarca.
A primeira-ministra da Escócia e líder do Partido Nacionalista Escocês, Nicola Sturgeon, declarou na BBC: "É absolutamente escandaloso. Fechar o Parlamento para forçar um Brexit sem acordo que causará danos incalculáveis e duradouros num país contra a vontade dos seus deputados não é democracia. É ditadura. Se os deputados não se unirem na próxima semana para parar Boris Johnson penso que o dia de hoje ficará para a História como o dia em que a democracia morreu no Reino Unido". Indignada, a líder da Escócia, nação do Reino Unido que votou contra o Brexit, prosseguiu: "Todos sabemos muito bem do que se trata. E trata-se de restringir o poder do Parlamento de travar um No Deal Brexit".

Boris Johnson à porta do N.º 10 de Downing Street
© EPA/Neil Hall
Sturgeon fez questão de sublinhar que Boris Johnson não foi eleito pelos britânicos - apenas pelos militantes conservadores para suceder a May - e estabeleceu como prioridade todas as medidas que possam travar Boris Johnson: 1 - aproveitando uma pequeníssima janela de oportunidade para agir, tentando recuperar o controlo da agenda parlamentar e aprovando legislação primária 2 - recorrendo para os tribunais. Várias figuras, incluindo o ex-primeiro-ministro britânico John Major, também conservador, ameaçaram com a via judicial. "A decisão da Rainha não pode ser contestada nos tribunais, mas o conselho do primeiro-ministro à Rainha, acredito eu, pode ser contestado judicialmente", disse, citado pela BBC Radio 4. Entretanto, uma petição online, contra a suspensão do Parlamento, já vai nas 175 mil assinaturas em poucas horas.
De fora da UE também chegaram críticas, apesar de, nos últimos dias, a mensagem enviada pelos líderes europeus ter sido a de esperar para ver o que fará Boris e o que proporá. Se é que proporá alguma coisa. "Recuperar o controlo nunca me pareceu tão sinistro. Como parlamentar, a minha solidariedade vai para aqueles que querem ver as suas vozes ouvidas. Suprimir o debate sobre escolhas tão profundas é muito pouco provável que ajude a contribuir para uma relação saudável entre a UE e o Reino Unido", escreveu no Twitter, Guy Verhofstadt, eurodeputado responsável pelas negociações do Brexit no Parlamento Europeu e ex-primeiro-ministro da Bélgica.
Uma das consequências da jogada de Boris poderá ser, na próxima semana, uma moção de censura contra o seu governo de brexiteers radicais. Para tal, trabalhistas, liberais-democratas, nacionalistas escoceses, galeses e outros precisariam dos votos favoráveis de deputados rebeldes do Partido Conservador que estão contra um No Deal Brexit. É o caso, por exemplo, de Dominic Grieve e do ex-ministro das Finanças Philip Hammond. "Se os deputados aprovarem uma moção de censura na próxima semana não vamos demitir-nos. Não vamos recomendar um governo interino. Vamos dissolver o Parlamento, convocar eleições antecipadas, para entre 1 e 5 de novembro", disse uma fonte citada pelo jornalista Sebastian Payne do Financial Times."Suspeito que o N.º 10 acredita ter criado aqui um cenário de Win-Win com o seu anúncio explosivo. Sim - conseguem um No Deal Brexit a 31 de outubro; Não - conseguem uma batalha 'a vontade do povo versus o Parlamento' numas eleições legislativas'", escreveu, por seu lado, Craig Oliver, jornalista e editor britânico, ex-diretor de Comunicação de David Cameron (o primeiro-ministro que inventou o referendo ao Brexit, em primeiro lugar).
Para que o Reino Unido possa ter eleições antecipadas terá que haver uma nova extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa, que seria a terceira. Tal nova extensão teria que ser aprovada pelo Conselho Europeu - ou a 17 de outubro ou numa cimeira extraordinária antes de 31 de outubro. Algumas vozes na UE, com a nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, à cabeça, já mostraram abertura para uma nova extensão, se houvesse motivos fortes para isso. Eleições antecipadas ou um segundo referendo sempre foram apresentadas como os dois únicos motivos fortes que poderiam levar os europeus a conceder um novo adiamento do Brexit ao Reino Unido. A haver eleições, a campanha seria um novo confronto entre o Leave e o Remain. Ou seja, um referendo sobre o Brexit Parte II (no primeiro, a 23 de junho de 2016, 52% dos britânicos votaram a favor a saída da UE, 48% contra).
Apesar de tudo, é preciso dizer que, de momento, não há forma de obrigar o governo britânico a pedir uma nova extensão do Artigo 50.º se este não o quiser fazer. Aliás, no início deste mês, Dominic Cummings, conselheiro especial do novo primeiro-ministro britânico e diretor da campanha Vote Leave em 2015-2016, a favor do Brexit, avisou que não é por derrubarem o governo através de uma moção de censura que os deputados poderão travar uma saída desordenada. "[Os deputados] não compreendem que, se houver um voto sobre uma moção de censura em setembro e em outubro, serão convocadas eleições para depois do dia 31 de outubro e sairemos de qualquer forma", disse o conselheiro, segundo uma fonte que esteve presente em briefings feitos por Cummings com membros do Executivo e que falou ao jornal Telegraph.
No campo dos apoios a Boris Johnson, além do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (de quem os Conservadores dependem para ter maioria no Parlamento), surgiu esta quarta-feira à tarde o do presidente dos EUA.Donald Trump não se coibiu, ao contrário do que fez a Comissão Europeia, por exemplo, de comentar a política interna do Reino Unido. No Twitter, rede social através da qual comunica com o mundo, o líder republicano escreveu: "Será muito difícil para Jeremy Corbyn, o líder do Partido Trabalhista britânico, conseguir uma moção de censura contra o novo primeiro-ministro Boris Johnson, especialmente porque Boris é aquilo que o Reino Unido sempre procurou e ele provará que é "o maior!". Adoro o Reino Unido".