Bispo de Pemba: "É preciso procurar a raiz do problema" para o resolver
O bispo de Pemba, D. Luiz Lisboa, pede a Portugal mais ações concretas para ajudar a enfrentar a crise humanitária que se vive em Cabo Delgado, lembrando que o facto de o país assumir a presidência rotativa da União Europeia no primeiro semestre de 2021 pode ser muito importante também para ajudar a abordar as razões que estiveram na origem de conflito armado que já dura há mais de três anos no norte de Moçambique.
"Pode ser feito muito em termos de ajuda humanitária", mas também "de ajuda para descobrir as causas desta guerra, para ir à raiz do problema", disse o bispo, em resposta ao DN, no final de um encontro online organizado pela FEC - Fundação Fé e Cooperação, junto com o Centro Missionário Arquidiocesano de Braga, a Cáritas Portuguesa, a Comissão Nacional Justiça e Paz, a FGS - Fundação Gonçalo da Silveira, o Ponto SJ, e o Rosto Solidário.
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O bispo comparou a situação a tomar um comprimido para ajudar contra a dor de cabeça, mas não lidar com o problema que o causou. "É preciso procurar a raiz do problema", indicou. "Estamos a lidar com a crise humanitária, mas Portugal faria um grandíssimo favor se levasse o debate sobre o uso dos recursos pelo mundo fora", falando de um "novo colonialismo em relação aos recursos de África e noutros locais pobres do mundo".
D. Luiz Lisboa defende um debate "sério" sobre a exploração dos recursos naturais e os custos que isso acarreta, pedindo que todos leiam a encíclica "Laudato Sí" do Papa Francisco sobre este tema.
"Fala-se muito, há muita retórica, mas penso que essas falas e essas boas intenções estão, pouco a pouco, a tornar-se num apoio concreto", defendeu o bispo de Pemba em relação ao papel de Portugal, mencionando por exemplo aquilo que os eurodeputados portugueses têm feito, a visita do deputado do PSD, António Maló de Abreu, à região ou a do ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, a Moçambique.
O governo moçambicano, que o bispo diz que no início do conflito procurou manter o segredo sobre o que se passava, já pediu ajuda internacional em três áreas: de formação dos militares (na qual Portugal vai ajudar), no fornecimento de material e na assistência humanitária.
D. Luiz Lisboa acredita contudo que seria melhor uma intervenção militar externa. "As nossas forças de Defesa, com toda a boa vontade que têm e todo o efetivo que possam ter, não conseguiram ainda conter a situação, a guerra continua. Falta-nos um sistema de inteligência mais forte", refere, dizendo que já leu na imprensa que o governo moçambicano já estar a procurar ajuda de grupos privados sul-africanos, o que terá custos elevados para o país.
A província de Cabo Delgado está desde há mais de três anos sob ataque de insurgentes e algumas das incursões passaram a ser reivindicadas desde 2019 pelo grupo 'jihadista' Al Shabab, que jurou fidelidade ao Estado Islâmico. A violência está a provocar uma crise humanitária com mais de 2400 mortes e 560 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.
Mas é também em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, que se encontram as maiores reservas de gás natural de África. "Para mim, o principal motivo do conflito é económico", disse, lembrando que apesar de o grupo de apresentar desde o início do ano como sendo do Estado Islâmico, os próprios muçulmanos da região os rejeitam e as mesquitas são um alvo tanto quanto as igrejas católicas.
Sobre a possibilidade de diálogo com os insurgentes, diz que não vê como. "Não aparece um líder, não há com quem dialogar", referiu.
O Gabinete de Coordenação para os Assuntos Humanitários da ONU (OCHA), nas suas projeções para 2021, indica que há mais de 500 mil deslocados e 900 mil pessoas sob a ameaça da insegurança alimentar em Cabo Delgado.
A OCHA estima que vai precisar de 254,4 milhões de dólares para dar resposta às 1,1 milhões de pessoas necessitadas no país. É sete vezes mais aquilo que tinha sido pedido para este ano (35,5 milhões de dólares), sendo que mesmo este só 65% foi coberto.
Apesar de estar cheia de recursos naturais (além do gás natural, as madeiras, os rúbis, a grafite), a população de Cabo Delgado é muito pobre. "Em Moçambique havia e há assimetrias que têm que ser corrigidas, porque o país é um todo. Quando parte da sociedade é deixada à margem, na periferia, a sociedade não está bem. E Cabo Delgado foi deixado de lado durante muito tempo", referiu o bispo.
Apesar disso, "a guerra tem mostrado quando o povo de Cabo Delgado é solidário", já que 80% daqueles que foram obrigados a fugir de casa estão a ser acolhidos pelas famílias. "Temos visto famílias pobres que já têm muito pouco para si e que ainda estão a acolher mais uma ou duas famílias", explicou, lembrando que é uma prova de que "todos podemos fazer alguma coisa".
O bispo está especialmente preocupado com a chegada do tempo chuvoso à província, que irá tornar a situação dos deslocados ainda pior. Um bispo sul-africano, que esteve recentemente em Cabo Delgado e visitou os campos, resumiu a situação. "Eu conheci Darfur, mas este acampamento está pior".
Para procurar dar resposta à população, o governo moçambicano está a criar cerca de uma centena de assentamentos, permitindo ás famílias ter um espaço para construir uma casa e também um terreno para poderem trabalhar e cultivar. "O governo tem que fazer alguma coisa, eles têm que estar nalgum lugar mais digno", referiu, dizendo que os assentamentos não são sinal de que as pessoas não queiram regressar às suas aldeias quando a situação estiver resolvida.
O bispo deixa ainda o alerta: a ajuda não pode parar. "Estamos apenas a atender a uma necessidade agora dos que estão fora do seu lugar, mas se a guerra terminar hoje, temos anos de reconstrução pela frente. E não só a reconstrução de casas, de equipamentos. É a reconstrução das vidas".
Questionado pelas organizações sobre qual a melhor maneira de os portugueses poderem ajudar, o bispo disse que além de rezar pela população de Cabo Delgado, podem falar sobre o tema e "ajudar a vencer a indiferença" e, na medida do possível, desenvolver alguma ação de solidariedade que permita recolha de fundos.
"Estamos na época de Natal e temos de pensar como será o Natal desta gente. Ao celebrar o Natal, o menino Jesus, é impossível não pensar nesses outros meninos e meninas que estão nos acampamentos, de forma dramática", referiu.