Bin Laden fez do Afeganistão a base óbvia para a jihad contra a América

Depois de uma década a combater os soviéticos e os comunistas afegãos, o saudita instalou-se com os seus mujaedines no Sudão. Foi temporário. Havia mais uma superpotência para atacar. DN começa a publicar hoje uma série de textos na contagem decrescente para 15.º aniversário do 11 de setembro
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O título da reportagem de 6 de dezembro de 1993 no Independent parece hoje bizarro: "Anti-Soviet Warrior puts his army on the road to peace", qualquer coisa como "guerreiro anti-soviético põe o seu exército na estrada para a paz", referindo-se a Osama bin Laden. O jornalista que assina é o britânico Robert Fisk, que descobriu a vocação para repórter no mundo islâmico quando descansava em Porto Covo da cobertura do PREC e nesta época era já um nome ultra-premiado.

Fisk, que mais tarde entrevistará Bin Laden no Afeganistão, encontra-se com o saudita no Sudão. Falam da empresa que está a construir a estrada entre Cartum e Porto Sudão e que emprega antigos mujaedines, mas é a muito custo que Fisk consegue que Bin Laden relembre a experiência afegã. "Quando a invasão do Afeganistão começou, fiquei furioso e fui logo - cheguei antes do fim de 1979", conta o fundador da Al-Qaeda. "Sim, combati lá, mas muitos dos meus companheiros muçulmanos fizeram mais do que eu. Muitos deles morreram e eu ainda estou vivo".

Sobre as armas americanas que ajudaram os mujaedines afegãos e os voluntários árabes a derrotar a União Soviética, Bin Laden disse a Fisk nunca ter tido conhecimento. Talvez uma forma de eliminar do currículo qualquer ligação à outra superpotência, destinada a ser sua inimiga, isto oito anos antes dos atentados de 11 de setembro de 2001.

Os anos tranquilos no Sudão vão acabar depressa. Percebendo que Bin Laden não perdoa a instalação de tropas americanas no país guardião dos lugares santos do islão, a Arábia Saudita retira-lhe a nacionalidade em 1994. Pouco importa que Osama seja herdeiro de uma família de construtores, dona do grupo Binladen. Depois, são os Estados Unidos a pressionar o Sudão para expulsar o guerreiro anti-soviético, conta o paquistanês Ahmed Rashid em Os talibãs - o islão, o petróleo e o novo grande jogo na Ásia Central, livro que se tornou um best-seller após a destruição das Torres Gémeas.

É em maio de 1996 que Bin Laden regressa ao Afeganistão. E três meses depois faz a primeira promessa de jihad aos Estados Unidos. Os talibãs conquistam nesse ano Cabul aos senhores da guerra que tinham substituído os comunistas em 1992 e oferecem ao saudita um santuário para a Al-Qaeda, "a base" em árabe, composta por veteranos da guerra contra os soviéticos.

O Afeganistão é terreno conhecido para Bin Laden. A acreditar no seu relato, tinha 22 anos quando foi para lá combater o Exército Vermelho. Era o tempo da Guerra Fria e o mundo ocidental estava ao lado dos resistentes afegãos, muito ligados ao islão, contra o regime comunista pró-Moscovo. Os Estados Unidos forneciam armas aos mujaedines, a Arábia Saudita financiava, o Paquistão fornecia a base de retaguarda.

No livro quase autobiográfico A grande guerra pela civilização, onde fala do tal telegrama que em Porto Covo recebeu do Times para ser correspondente no Líbano, Fisk descreve o que se passou com Bin Laden na primeira etapa afegã: "Foi ferido cinco vezes e 500 dos seus combatentes árabes foram mortos em combate com os soviéticos".

Regressa com aura de vencedor. E consciente de que tinha contribuído para a fama de invencibilidade dos afegãos. No século XIX, os invasores britânicos foram derrotados. Agora, os soviéticos. Na mente de Bin Laden, nenhum império era tão forte que não pudesse ser desafiado pelos jihadistas. E os Estados Unidos, instalados no Golfo Pérsico depois de em 1991 terem expulsado os iraquianos do Koweit, passaram a estar na mira da Al-Qaeda em 1996. E dois anos depois, houve os atentados contra as embaixadas americanas no Quénia e na Tanzânia.

Leia amanhã: o primeiro ataque às Torres Gémeas em 1993

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