"Berlusconi já voltou. Tornou-se protagonista necessário deste jogo"
O referendo era sobre uma reforma constitucional. Os italianos perceberam o que estava em jogo, ou foi um plebiscito ao governo?
Diria que o referendo era sobre a reforma constitucional mas a maior parte dos eleitores não estava preocupada com a reforma constitucional em si. O referendo assumiu outro significado, mais político. Foi uma oportunidade para votar a favor ou contra o governo de Renzi. Mas também uma oportunidade para gerar medo, ódio, raiva. Sentimentos espalhados por muitos eleitores, sobretudo os mais novos. A geração que não tem oportunidades, não tem emprego desde que a crise começou, em 2008. É como o brexit, o referendo no Reino Unido não foi concebido como uma pergunta sobre a União Europeia, foi uma oportunidade para criticar a elite no poder e a classe política.
Depois do brexit, esta é mais uma vitória para o populismo?
Populismo é um conceito muito ambíguo e escorregadio. Regra geral, é considerado populismo tudo o que desagrada à elite (risos). Diria que há sem dúvida um sentimento crescente anti-políticos, anti-establishment. Porque a crise económica foi longa, não teve uma gestão efetiva. Mais, alguns grupos, uma minoria, beneficiou da crise, ficaram mais ricos, aproveitaram a oportunidade. Enquanto a maioria da população se encontra hoje ou na mesma posição em que estava há dez anos ou pior. Na Europa, a crise gerou uma divisão entre países do Norte e do Sul. A crise económica tem sido mais do que uma crise cíclica. Nesta situação, governar é muito difícil. Os governos italiano, ou português ou grego não controlam todas as variáveis da política económica. Têm de operar dentro das restrições europeias em que um país como a Alemanha tem um papel demasiado forte. Diria que este género de populismo, é uma reação altamente compreensível. As pessoas não veem futuro. Se olharmos para a pergunta, podemos dizer que se era apenas sobre passar do bicameralismo para o monocameralismo, então porque é que foi rejeitado? Mas não era sobre isso. Um referendo pode tornar-se apenas a oportunidade para agir contra tudo. Só podemos perceber esta questão se mergulharmos nas raízes do mal-estar, da raiva que exige uma política económico e social nova, sobretudo no sul da Europa.
Renzi demitiu-se no domingo, mas fica até aprovarem o orçamento. Ele vai voltar e tentar a sua sorte nas próximas eleições?
Racionalmente, esperava que ele se demitisse, deixasse o presidente nomear um governo substituto, que aprovasse rapidamente o orçamento, decidisse uma lei eleitoral razoável, que tornasse mais justa a eleição da Câmara e do Senado e depois houvesse eleições antecipadas. Não podemos ficar com um governo de gestão um ano. Renzi é o líder do Partido Democrático, por isso sugeriria que fosse ele o candidato. Porque ele perdeu a batalha mas não perdeu necessariamente a guerra. No referendo conseguiu um apoio de 40% ao seu projeto, enquanto os 60% que disseram "não" estão muito divididos. É claro quem perdeu o referendo, mas há demasiados vencedores e já começaram a discutir entre eles. Por isso acho que Renzi pode ser o líder do partido pluralista nas próximas eleições. Nessa altura veremos como reabrir a discussão sobre a reforma da democracia. É um regime em que umas vezes damos um passo em frente e perdemos e outras damos um passo atrás. Não podemos dar nada por garantido. É uma batalha contínua e exige pessoas com bom estômago e resistência.
O Movimento 5 Estrelas é um dos vencedores. O que vai fazer?
Eles não querem vencer demasiado. Porque caso contrário terão de fazer o que prometem. Foi o que aconteceu em Roma. Venceram, assumiram o governo da maior cidade italiana e estão a ter um desempenho modesto. Eles podem crescer desde que estejam na oposição. É como o partido comunista no passado em Itália. Tem de estar na oposição porque pode criticar mas não se tem de implementar as críticas. Por isso, acho que o 5 Estrelas vai pedir novas eleições, mas com o sistema proporcional não vai haver um vencedor claro, logo haverá um governo de coligação. Eles não querem fazer parte de uma coligação com outros partidos. Por isso a coligação será entre o PD de Renzi e a Força Itália de Berlusconi. Nessa altura, o 5 Estrelas terá a legitimidade para dizer que é a casta da classe política. Esta é a lógica. Como é que os outros partidos contrariam a lógica, é uma questão em aberto.
Berlusconi vai voltar?
Bem, ele já voltou. Com o "não", Berlusconi é um protagonista necessário deste jogo. Se as próximas eleições seguirem o sistema proporcional, Berlusconi tem um património eleitoral - 10 a 15% dos votos - que é importante. Qualquer governo de coligação tem de lidar com ele. Por isso ele está de volta. Como transformar este regresso em algo semelhante ao que vivemos no passado, é outra questão em aberto.
Quanto à Liga Norte, que caminho vai seguir?
A Liga Norte é talvez o partido que mais mudou. Primeiro já não é uma Liga do Norte, é apenas a Liga. Já não está confinada ao Norte. É uma liga nacional. E tende a tornar-se na versão italiana da Frente Nacional francesa. No passado queriam ser independentes de Roma, agora são quem defende Roma de Bruxelas. A questão coloca-se no centro-direita. Será que Berlusconi aceita aliar-se com ela? É imaginável um François Fillon aliar-se a Le Pen em França? É pouco plausível. Em Itália também. O centro direita ganhou este referendo, mas a sua vitória abriu uma caixa de Pandora de problemas. Vai ser muito interessante de seguir.