Assalto feminino ao poder no pós-brexit
"Então os Tories vão ter uma segunda mulher primeira-ministra. Talvez no Labour tenhamos que refletir mais nas nossas credenciais de lutar contra o sexismo no topo da política", escreveu a deputada trabalhista Caroline Flint, no Twitter, momentos depois de se saber que Theresa May e Andrea Leadsom vão disputar a liderança do Partido Conservador, garantindo que será uma mulher a suceder a David Cameron no número 10 de Downing Street, 26 anos após a saída de Margaret Thatcher. Em 116 anos de história, nunca uma mulher liderou o Labour. Mas há uma que quer mudar essa estatística: Angela Eagle.
No rescaldo da vitória do brexit no referendo, o Reino Unido não embarcou apenas numa crise económica, com a bolsa a cair e a libra a atingir os valores mais baixos em três décadas. A crise tornou-se também política, com o primeiro-ministro a anunciar que ia renunciar no outono e que seria o próximo líder do Partido Conservador, e consequentemente chefe de governo, a empreender as negociações com Bruxelas.
Se o referendo já tinha dividido os Tories, a corrida à sucessão ficou marcada pela traição do ministro da Justiça, Michael Gove, ao aliado apoiante do brexit e amigo Boris Johnson, ex-mayor de Londres. Na luta interna, duas mulheres souberam impor-se e garantir que o seu nome estará no boletim de voto que será distribuído pelos cerca de 150 mil militantes do partido, a quem cabe a última palavra na escolha da futura líder. A decisão será conhecida a 9 de setembro.
De um lado estará Theresa May, 59 anos, ministra do Interior há seis, discreta defensora da continuação do Reino Unido na União Europeia e favorita entre as casas de apostas. A adversária é a secretária de Estado da Energia, Andrea Leadsom, 53 anos, uma quase desconhecida dos britânicos que saltou para a ribalta na campanha como feroz defensora do brexit.
Uma delas vai ser a segunda mulher a assumir a chefia do governo, 26 anos depois da Dama de Ferro ter deixado o n.º 10 de Downing Street. Margaret Thatcher foi eleita líder dos Tories em 1975 e, depois de quatro anos à frente da oposição, venceu as eleições, tornando-se na primeira mulher a assumir a chefia de um governo no Reino Unido - e entre as potências mundiais do G7. Em 2017, o grupo dos sete países mais industrializados pode contar com três mulheres: caso a democrata Hillary Clinton vença o republicano Donald Trump nos EUA e não haja surpresas para os lados da chanceler alemã, Angela Merkel.
Labour
Mas o brexit não trouxe só problemas aos Tories. Há nove meses líder do Labour, Jeremy Corbyn (representante da ala mais à esquerda do partido) está a ser alvo de uma revolta dos deputados trabalhistas, que o acusam de não se ter esforçado na campanha - é conhecido o seu euroceticismo - e de não ter estofo para ser primeiro-ministro. Apesar de ter perdido de forma avassaladora um voto de não-confiança (172 deputados contra 40), Corbyn não desiste da liderança, insistindo que foi eleito por 60% dos militantes. Mas há uma mulher que promete fazer-lhe frente, tendo já reunido entre os colegas as 50 assinaturas necessárias para o forçar a uma corrida à liderança.
Angela Eagle, que até ao referendo ocupava o cargo de ministra sombra dos Negócios, é a mulher que hoje deve desafiar oficialmente Corbyn. Deputada desde 1992, foi ministra das Pensões de Gordon Brown e já ocupou várias pastas desde que o Labour passou à oposição. Aos 55 anos, se conseguir derrotar Corbyn, poderá tornar-se na primeira mulher líder nacional do Labour.
Escócia e Irlanda do Norte
Mas, apesar de Eagle ter sido a primeira deputada trabalhista lésbica, não será a primeira homossexual na liderança de um partido no Reino Unido. Esse epíteto pertence, desde 2011, a Ruth Davidson, líder dos Conservadores Escoceses que em maio conseguiu o melhor resultado de sempre do partido nas eleições para o Parlamento escocês, chegando a falar-se que poderia ser uma candidata à sucessão de Cameron.
Se no Reino Unido parece estar a chegar a hora das mulheres, na Escócia esta já chegou há muitos anos. Além de Davidson, que está à frente dos conservadores, o Labour escocês é liderado também desde o ano passado por uma mulher (igualmente lésbica), Kezia Dugdale. E claro, a atual primeira ministra é Nicola Sturgeon, que depois de ter sido durante anos a número dois de Alex Salmond no Partido Nacionalista Escocês e no governo, lhe sucedeu em novembro de 2014. Um ano depois, numa sondagem YouGov feita a 30 mil escoceses, foi considerada a personalidade mais popular do país.
Também na Irlanda do Norte, o governo está desde janeiro deste ano, e pela primeira vez, nas mãos de uma mulher: Arlene Foster, do Partido Unionista Democrático. Assim sendo, quando for eleita a sucessora de David Cameron (que é também o líder de Inglaterra), haverá três mulheres à frente dos quatro países que formam o Reino Unido. Para um quadro completamente feminino, só falta o País de Gales - o atual primeiro ministro é o trabalhista Carwyn Jones, mas a líder do segundo partido mais votado, os independentistas galeses do Plaid Cymru, é Leanne Wood.
Nos Verdes, o principal rosto é Caroline Lucas, a única deputada em Westminster, que depois de ter passado pela liderança partidária entre 2008 e 2012, é novamente candidata à sucessão de Natalie Bennett, que deixa o cargo em agosto.
O poder no feminino não é algo estranho no Reino Unido, que já teve na sua história rainhas tão marcantes como Isabel I (a Rainha Virgem) no século XVI, Vitória no século XIX e a atual Isabel II, há 64 anos no trono.
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