As guerras de Trump: as herdadas, a atual, as de palavras e a comercial
"Eu sou muito bom na guerra. Adoro guerra, de certa forma. Mas só se vencermos", afirmava Donald Trump em novembro de 2015. Passados dois anos e meio, o republicano passou de candidato improvável a presidente dos Estados Unidos e mal chegou à Casa Branca foram várias as guerras que herdou e outras as que ele começou.
No Afeganistão reverteu a retirada das tropas ordenada por Barack Obama, sempre crítico da invasão do Iraque, em 2003, continua a ter lá militares a apoiar os iraquianos na luta contra o Estado Islâmico. Depois do ataque de ontem contra a Síria - outro conflito herdado por Trump mas que nos últimos dias este mostrou interesse em tornar seu -, o presidente americano tem de lidar com a guerra comercial que iniciou com a China e ameaça rasgar o acordo sobre o nuclear iraniano abrindo outra frente de batalha. Mais calma está a tensão com a Coreia do Norte. Depois de uma escalada verbal que alimentou receios de um confronto iminente, está prevista para maio uma cimeira Trump-Kim Jong-un.
Ainda antes de assumir a presidência, em abril de 2016, Trump garantia que nunca enviaria militares americanos para o estrangeiro "a menos que seja absolutamente necessário" e garantiu só o fazer "se tivermos um plano de vitória com V grande". Era uma tentativa de se afastar tanto dos democratas Barack Obama e Hillary Clinton - a sua rival democrata votou a favor da invasão do Iraque em 2003 - como de falcões republicanos como George W. Bush. Em 2001, após o 11 de Setembro, o então presidente mandou atacar o Afeganistão para derrubar os talibãs que protegiam Osama bin Laden e dois anos depois invadiu o Iraque sem apoio da ONU e com base numas armas de destruição maciça que não existiam. Mas chegado à Sala Oval, Trump enviou mais tropas três mil soldados para o Afeganistão, garantindo que os EUA vão manter uma presença militar naquele país indefinidamente. E há um ano mandou lançar "a mãe de todas as bombas" - o mais potente engenho explosivo convencional do arsenal americano. O alvo eram militantes do Estado Islâmico, refugiados num complexo de cavernas e túneis nas montanhas.
Desde 2011, morreram no Afeganistão 3548 membros das Forças Armadas americanas, com 2010 a ser o ano mais mortífero: 499 baixas. Desde o início deste ano os EUA perderam um só militar. Esta semana, oito meses depois de Trump ter anunciado a sua estratégia para o Afeganistão, os talibãs anunciaram ter matado o governador de Ghazni e controlar grande parte daquela região, até agora considerada segura.
No Iraque o cenário tem sido diferente. Durante a campanha, Trump não se cansou de recordar a sua oposição em 2003 à intervenção americana que levou ao derrube de Saddam Hussein, marcando a distância com os rivais republicanos, primeiro, e com Hillary, depois. Já na Casa Branca, manteve que a invasão do Iraque foi "a pior decisão alguma vez tomada". Mas a verdade é que as tropas americanas parecem estar lá para ficar.
E a tensão com a Rússia após um ataque químico na Síria atribuído pelo Ocidente às forças do presidente Bashar al-Assad e aos seus aliados russos, fazem recear o envolvimento americano em larga escala no conflito. Neste momento os EUA têm na Síria dois mil militares, segundo dados do Pentágono. Um ataque americano a solo sírio ganhou força após Trump tweetar: "Os mísseis estão a chegar", apesar para no dia seguinte vir esclarecer que o ataque acontecerá "muito em breve ou nada em breve".
Sem visitas
Há mais de um ano na presidência, Trump ainda não foi visitar as tropas no terreno. Uma atitude que contrasta com os elogios constantes que gosta de fazer às "nossas grandes forças armadas". E contrasta também com o que fizeram os seus antecessores na Casa Branca. Barack Obama fez a primeira de cinco visitas às tropas três meses após chegar à presidência. George W. Bush fez seis visitas aos militares em cenários de guerra, uma delas a aparição-surpresa no porta-aviões USS Abraham Lincoln no dia 1 de maio de 2003, em que anunciou "missão cumprida" no Iraque.
A Casa Branca recusou explicar ao Politico porque Trump não visitou ainda as tropas no estrangeiro. O presidente, cujo orçamento para 2019 prevê 686 mil milhões de dólares para a Defesa, manifestou antes o interesse nas forças armadas ao exigir a organização de uma parada com tanques e aviões ao estilo russo ou norte-coreano.
Ora a Coreia do Norte foi durante os últimos meses apontada como o próximo alvo dos americanos. Com Trump a ameaçar lançar "o fogo e a fúria" contra os norte-coreanos e Kim a relembrar que os seus mísseis balísticos têm capacidade para atingir todo o território dos EUA. Tudo mudou com um discurso de ano novo do líder norte-coreano mais conciliador e a abertura confirmou-se nos Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro da Coreia do Sul. Sob a égide do presidente sul-coreano, Moon Jae-in, as duas Coreias desfilaram sob a mesma bandeira na cerimónia de abertura. Para dia 27 deste mês está marcada uma cimeira intercoreana, com um encontro entre Kim e Trump previsto para maio, depois de o presidente americano ter aceitado um convite do líder norte-coreano para um frente-a-frente inédito.
Com uma frente mais calma depois de acesa guerra de palavras, a próxima batalha de Trump pode ser com o Irão. O presidente tem repetido o desejo de abandonar o acordo sobre o nuclear assinado em 2015. E a chegada de John Bolton a conselheiro de Segurança Nacional pode não só acelerar a saída como coloca um confronto direto com Teerão na equação. Tudo porque o ex-embaixador dos EUA na ONU - nos tempos de George W. Bush - já admitiu bombardear o Irão. Ou deixar Israel bombardear para o impedir de desenvolver a bomba atómica. Resta saber se a sua influência é suficiente para empurrar Trump para a guerra.
De guerra mas comercial tem-se falado após China e EUA terem imposto tarifas aos respetivos produtos. Washington foi a primeira a taxar à importação de aço e alumínio, abrindo exceção para alguns países amigos mas não para os chineses. Pequim respondeu com tarifas sobre produtos americanos como a carne de porco, o vinho, a fruta ou os cereais. A verdade é que se a retórica subiu, as medidas pesam pouco na trocas comerciais entre os dois países - com um défice de 347 mil milhões de dólares para os EUA. Em 2017, o aço e alumínio correspondeu a 1% das importações americanas de produtos chineses e todos os produtos taxados pelos chineses representam apenas 2% das importações da China aos EUA.