Desde que nos anos 70 começaram a existir os orçamentos modernos, os EUA já sofreram 19 shutdowns. O mais longo destes encerramentos do governo durou 21 dias úteis - entre 5 de dezembro de 1995 e 6 de janeiro de 1996. O de ontem ficará para a história como o mais curto: cinco horas e meia depois de expirar o prazo para prolongar o financiamento do executivo, a Câmara dos Representantes votou a favor de um plano que aumenta a despesa pública em 300 mil milhões de dólares. Pouco depois, o presidente Donald Trump assinou a lei que, se garante o financiamento do governo até 23 de março, deixou descontentes tanto os democratas como os republicanos..O novo acordo até pode ter posto fim ao segundo shutdown em menos de três semanas, mas deverá fazer o défice orçamental chegar a um bilião (o trillion anglo-saxónico) em 2019. Um facto que explica a rebelião de 67 congressistas republicanos, que votaram contra, deixando nas mãos dos 73 democratas que votaram a favor a aprovação da lei. A ala mais à direita dos republicanos rejeita o aumento das despesas não militares. Do aumento de 300 mil milhões de dólares, 165 mil milhões destinam-se à defesa, mas 131 mil milhões a setores como a saúde ou a infraestruturas - a nova grande prioridade da Casa Branca..A voz mais crítica foi a de Rand Paul. O senador do Kentucky denunciou a hipocrisia dos republicanos. "Agora temos republicanos de mão dadas com os democratas a querer dar-nos défices de biliões de dólares", afirmou o libertário que, de acordo com esta ideologia, defende menos intervenção do Estado e vê o investimento público como um desperdício. Num discurso de quase nove horas que levou ao shutdown por impedir a votação no Senado antes da meia-noite, o antigo candidato às primárias republicanas de 2016 garantiu: "Não posso, de boa-fé, olhar para o lado porque o meu partido é agora cúmplice nos défices." "Então de quem é a culpa? De ambos os partidos", garantiu..Em ano de eleições intercalares, estas divisões podem prejudicar os republicanos, que apesar de controlarem a Câmara dos Representantes, o Senado e a Casa Branca, não evitaram já cinco prolongamentos temporários do financiamento do governo desde o início do ano fiscal, a 1 de outubro de 2017. Agora, esperam ter mais tempo para trabalhar num orçamento anual..Esta lei prolonga também o mandato da agência federal que emite dívida (equivalente ao IGCP português - a agência de gestão da Tesouraria e da Dívida Pública), poupando os eleitos a novas batalhas sobre a dívida e o défice até passadas as intercalares. Neste escrutínio de meio de mandato vão a votos todos os 435 membros da Câmara dos Representantes e um terço dos senadores..Pouco depois de assinar a lei, Trump tuitou: "Os custos não militares nunca baixarão se não elegermos mais republicanos em 2018 e mais além. Esta lei é uma GRANDE VITÓRIA para as Forças Armadas, mas tanto desperdício para conseguir votos democratas. Felizmente, o DACA não está neste acordo, negociações começam agora.".O DACA é o programa criado pela administração Obama para garantir direitos de residência e de trabalho a 800 mil filhos de imigrantes ilegais levados para os EUA pelos pais quando eram crianças - os chamados dreamers. Em setembro, Trump suspendeu o DACA, que termina a 2 de março, e pediu ao Congresso para arranjar uma solução..Ora muitos democratas - que esperam recuperar o controlo de pelo menos uma das Câmaras do Congresso em novembro - estão preocupados com o facto de não haver qualquer referência aos dreamers no acordo. A começar por Nancy Pelosi. Depois de na quinta-feira ter feito um discurso de oito horas a defender os imigrantes na Câmara dos Representantes, a líder da minoria democrata voltou ontem a lamentar que Paul Ryan, o líder da maioria republicana, não tenha feito qualquer promessa concreta quanto a este assunto. Trump comprometeu-se a negociar um acordo sobre os dreamers mas exige que este inclua 25 mil milhões de dólares para a construção do muro na fronteira com o México, destinado a impedir a entrada de ilegais nos EUA.