António Abreu. O Rambo dos frangos do Luxemburgo
Nos 12 anos que leva de volta do carvão, António Abreu tem uma certeza inabalável: quando o assunto é frango, não vale a pena inventar. "Uma vez pediram-me para alterar o tempero, pôr ervas da Provença na marinada, para ver se isto ganhava um paladar mais afrancesado. E sabe o que aconteceu? Ficou uma porcaria." Desde esse dia, aliás, nunca mais deixou ninguém aproximar-se do fogareiro. Aquele é o seu reino, desta arte entende ele.
Abreu é um homem franzino, de carnes magras e um sorriso trocista, parece sempre disposto a atirar galhofa para cima de uma conversa. Tem 58 anos, todos o conhecem por Rambo - e isso não só se deve à profunda admiração que tem pelos filmes de Sylvester Stallone, também é culpa de um velho hábito. "Sempre gostei de me vestir com calças da tropa e camisola de mangas cavas, sou madeirense e gosto é de andar à fresca. Quando cheguei ao Luxemburgo, há 15 anos, era isso que usava, mesmo quando estavam temperaturas negativas. E a malta ria-se, dizia que eu tinha de ter o cabedal do Rambo para aguentar a neve." Depois pronto, a alcunha pegou.
Veio parar à grelha três anos depois de chegar ao grão-ducado. "Não sou sequer empregado da casa, venho só aqui dar uma ajuda porque tenho mesmo gosto nisto", atira. Está aposentado por invalidez, e decidiu dedicar o tempo a algo que lhe desse prazer. "Encontrar o tempero certo, perceber o ponto da grelha para a pele ficar dourada sem queimar, conseguir que a carne se solte do osso, é uma arte."
É meio-dia e a fila que se formou à porta do Fielser Stuff já conta quase cem metros de comprido. "Há dias em que chega aos 300, dobra a esquina da rua e segue para a praça principal de Larochette", garante o dono da casa, José Mendes. O calor aperta, mas ninguém arreda pé. Até às duas da tarde, os frangos não param de sair.
"É porque sabe a casa, é como em Portugal", diz Luís Figueiredo, que já está há meia hora em linha à espera que chegue a sua vez. Veio de Dudelange, no extremo sul do Luxemburgo. "Desde que descobri isto, há uns cinco anos, é raro o domingo que falho." À sua frente está Sandra dos Santos, que só descobriu os frangos no início do ano. "É a quarta vez que venho, levo sempre um frango e umas costelinhas, que aqui também as assam bem. É pena é não haver pitéu destes todos os dias."
Os frangos de Larochette saem à quarta e ao domingo, sempre à hora de almoço. "Ao fim de semana é que temos as multidões", diz o dono da casa. "Também fazemos costelinhas, porque não são poucas as vezes em que os frangos esgotam e temos de ter uma alternativa para quem aqui ficou à espera este tempo todo." São em média 250 frangos por dia, número que dispara para o dobro em dias de festa.
O homem sabe bem a ajuda preciosa que tem no seu amigo madeirense Rambo. "Gerimos esta casa desde 1983 e, há 20 anos, arrancámos com a ideia dos frangos. Correu sempre bem, mas as coisas são diferentes desde que o Abreu veio dar uma mão. "É por isso que José Mendes lhe dá carta livre, para o espeto e para o tempero. "Ele tem razão quando diz que não vale a pena inventar. Esta receita não se muda. Isso eu posso garantir."
Ana Maria Mendes, a mulher do proprietário, tem muita responsabilidade na introdução dos frangos na carta do Feilser Stuff. "É que eu sou algarvia", explica com palavras e mãos. "E nós no sul temos uma tradição enorme com os frangos da Guia. Quisemos trazer um bocadinho desse espírito para Larochette."
Uma coisa perceberam de imediato - ali não poderiam fazer frangos tão miúdos. "Na Guia servem-se borrachos de 600 gramas, que aqui não conseguimos comprar. Ainda tentámos de um quilo, mas a carne fica muito rija. Então apostámos nos de 800 gramas, é a medida certa", explica a mulher. Na véspera, às vezes dois dias antes, Rambo faz-lhes uma marinada que leva vinho, alho, piripíri, sal e um ingrediente que o não revela. "É o segredo que torna isto tão especial", ri-se ele.
Nos primeiros anos usavam um grelhador onde não cabiam mais de 32 frangos. "Quando eu cheguei trabalhava com dois desses, mas de há dez anos para cá temos uma grelha onde cabem cem peças, dá outro despacho", conta o mestre da brasa. O mais importante de tudo é que trabalha em rotação constante, o que permite uma confeção uniforme. "Depois é preciso estar sempre em vigia, ver que parte do carvão está mais quente, gerir o lume para que fique tostadinho e suculento."
No ritual dos frangos, que ao domingo leva dezenas de pessoas a Larochette, cabe uma história com muitas camadas. É um ritual que só nasceu depois de se perceber que a melhor receita era a autenticidade. É um ponto de encontro para quem mata no estômago a saudade. E é um pedaço de delicadeza culinária - preparada, com paixão e requinte, por um madeirense chamado Rambo.
Reportagem publicada originalmente no site de notícias em português do Luxemburgo, Contacto - especial para Portugal.