Acusação a Trump: "A denúncia não foi varrida para baixo do tapete"

Em cerca de três horas de depoimento, o diretor interino dos Serviços Secretos admitiu que "tudo neste assunto é completamente sem precedente" e que mal viu a denúncia do ainda não identificado membro dos serviços Secretos antecipou que seria chamado ao Congresso. Mas ouviu do republicano Devin Nunes, um dos maiores apoiantes de Trump: "Cuidado com o que diz aqui."

"Quando leu a denúncia, ficou de algum modo chocado pelo que esta contém?"

À pergunta da congressista democrata Jackie Speier, o diretor dos Serviços Secretos respondeu: "Dei-me conta de modo cabal da importância da alegação e tenho de lhe confessar que antecipei que mais tarde ou mais cedo me iria sentar perante um comité para falar sobre ela."

Foi muito rápido, na verdade: Joseph Maguire, 67 anos, está desde 16 de agosto à frente dos Serviços Secretos como diretor interino e nem dois meses depois viu-se intimado a responder, das nove ao meio dia de quinta-feira, perante o Congresso e o respetivo Comité dos Serviços Secretos, a propósito da forma como lidou com a denúncia de alegada atuação imprópria do presidente Trump junto do seu homólogo ucraniano.

Antes do início da audição tinha sido tornada pública a queixa do denunciante, membro dos Serviços Secretos, que exprime "uma preocupação urgente" com a possibilidade de Trump "estar a usar o poder como presidente para solicitar a interferência de um país estrangeiro [a Ucrânia] nas eleições de 2020."

Em causa está, como é sabido, um telefonema entre Trump e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, a 25 de julho. Na chamada, que Trump garantira antes ser "100% OK" e cuja transcrição foi também tornada parcialmente pública esta semana, o presidente americano pergunta ao homólogo "se pode ver o que se passa" com assuntos relacionados com o ex vice-presidente Joe Biden -- um dos principais candidatos democratas às eleições de 2010 -- e o seu filho Hunter. Foram as notícias sobre essa chamada, e o facto de se crer que Trump fizera crer a Zelensky que o apoio dos EUA ao seu país podia depender da resposta ao pedido, que levaram os democratas, em maioria no congresso, a anunciar um inquérito formal de impeachment a Trump no início desta semana.

"Chantagem clássica de crime organizado"

O denunciante, cuja identidade Maguire assegurou não conhecer mas garantiu que vai poder testemunhar perante o comité, diz não ter assistido pessoalmente à maioria dos factos, que lhe terão sido relatados por outras pessoas, parte delas da comunidade dos Serviços Secretos (terão sido 12 as pessoas que, segundo a denúncia, assistiram à chamada). Daí que no final da sessão o presidente do comité, o democrata Adam Schiff, tenha agradecido ao denunciante pela sua coragem e apelado a outros funcionários que tenham conhecido dos factos em questão para que demonstrem "o mesmo tipo de coragem."

Schiff, que leu toda a transcrição da chamada durante a audição com o tom que se esperaria de um mafioso -- tudo passou em direto nos canais ABC, CBS, NBC, CNN, Fox News Channel, MSNBC e C-SPAN -- e a descreveu como "uma chantagem clássica de crime organizado que teria até graça se não fosse uma tão evidente traição do juramento presidencial", também disse que apesar de crer que Maguire é "um homem bom e honrado", o facto de ter enviado a denúncia para o departamento de Justiça e para a Casa Branca, não para o Congresso -- ao qual os democratas defendem ser requerido por lei que denúncias deste tipo sejam entregues --, poderá desencorajar outros denunciantes e impedir outras "denúncias importantes" de chegar ao Congresso..

Maguire defendeu-se alegando que pensou "ser prudente" assegurar que não existiam conflitos no que respeitava a reserva do poder executivo, por estar em causa um telefonema do presidente para um líder estrangeiro. E acrescentou, ainda a propósito de não ter enviado a denúncia logo para o Congresso: "Creio que tudo neste assunto é completamente sem precedentes. (...) Mas embora a denúncia não tenha vindo logo para o comité, foi enviada para o departamento judiciário para investigação criminal. Não foi varrida para baixo do tapete."

Se os democratas criticaram as decisões de Maguire, pelo menos um republicano fez questão de criticar Trump. Foi Michael Turner, do Ohio: "Li a denúncia e li a transcrição da conversa entre o presidente e o presidente da Ucrânia. Acerca dessa conversa, quero dizer ao presidente: isto não está OK. Esta conversa não está Ok. E penso que será um desapontamento para o público americano quando lerem a transcrição."

Já o republicano Devin Nunes, um dos mais leais apoiantes de Trump no congresso, quis condicionar o testemunho de Maguire: "Tenha cuidado com o que diz aqui, porque eles [os democratas] vão usar as suas palavras contra si." O diretor dos Serviços Secretos respondeu dizendo estar "honrado por estar aqui e honrado por liderar a comunidade dos Serviços Secretos."

Nunes afirmou também que as alegações em causa são apenas a "mais recente operação de guerrilha de informação contra o presidente", agora que a investigação à interferência da Rússia nas eleições de 2016 ficou em águas de bacalhau.

"O denunciante fez a coisa certa"

Maguire, no entanto, embora tenha evitado pronunciar-se sobre se considera que a preocupação expressa na denúncia se justifica, fez questão de dizer que a denúncia é "credível" e "importante" e acredita que "o denunciante fez a coisa certa. (...) Agiu de boa-fé e cumpriu a lei em todos os passos que deu." E negou ter ameaçado demitir-se caso a denúncia não fosse enviada para o Congresso -- notícia que tinha corrido e que já havia desmentido em comunicado. Mas recusou responder a qualquer pergunta sobre se falou com Trump sobre a denúncia: "Não divulgarei conversas reservadas que tenha com o Presidente."

Durante o seu depoimento, o diretor dos Serviços Secretos garantiu que não é "político nem tem um lado" e que se limitou a cumprir a lei. "Após quatro décadas de serviço público, a minha integridade nunca foi posta em causa", disse. Não se sabe durante quanto mais tempo ocupará o lugar; recorde-se que Trump demitiu o seu antecessor, dan Coats, que tinha sido confirmado pelo Senado, e não aceitou que a vice-diretora, Sue Gordon, assumisse a chefia.

Em jeito de resumo, o presidente do comité, que parecia particularmente inspirado, concluiu: "O que viram aqui é a democracia, tão feia como pode ser, tão pessoal como pode ser."

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