À incerteza do Brexit junta-se uma moção de censura a May. E agora? 

Moção de censura é mais uma prova de fogo para May. Mas, ao contrário do acordo do Brexit, que tinha o destino traçado, o futuro da primeira-ministra é uma incógnita.
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Vai Theresa May sobreviver à maior derrota parlamentar do governo britânico de que há memória na era democrática? Essa é a pergunta a que ninguém sabe responder no final de um dia que selou o destino do seu acordo de saída da União Europeia para o caixote do lixo.

Quando forem 19.00 de quarta-feira e a moção for sufragada, a governante precisará de bem mais do que os 202 deputados que o acordo recolheu para que a sua liderança se mantenha: 318 votos.

Em minoria na Câmara dos Comuns, os conservadores precisam do apoio dos unionistas (DUP). Os irlandeses têm sido a muleta parlamentar do governo. E já anunciou que, ao contrário do que sucedeu na votação sobre o Brexit, irá votar a favor de May.

A pressão recai na bancada tory. Na moção sobre o acordo de retirada, 118 conservadores estiveram em desacordo com o governo. Como irão fazer agora? Por parte do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e uma das principais vozes da oposição ao acordo, Boris Johnson, não virá perigo. Anunciou, aos microfones da Sky News, que estará do lado do governo. "Não é uma questão da pessoa", afirmou. O que é necessário é renegociar com Bruxelas para "retirar o mecanismo de salvaguarda do acordo, é esse o problema".

No entanto, à BBC, o mesmo Boris Johnson afirmou que a saída sem acordo continua a ser uma hipótese. "Não deveríamos apenas manter as partes boas do acordo, acabar com o mecanismo de salvaguarda, mas deveríamos também preparar-nos ativamente para a saída sem acordo com cada vez maior entusiasmo."

Também Jacob Rees-Mogg, líder do European Research Group, grupo conservador pró-Brexit que avançou com uma moção de censura à liderança de Theresa May no partido, insistiu na solução do hard Brexit, e também declarou que vai votar a favor de Theresa May.

Resta saber se Rees-Mogg e Johnson irão arrastar os outros descontentes do dossiê Brexit consigo.

Antes da votação, a primeira-ministra lembrou aos parlamentares o peso do momento. "É a mais importante decisão em que qualquer um de nós alguma vez participará, irá definir o nosso país durante décadas e será uma decisão que cada um de nós terá de justificar. Um voto contra este acordo é um voto na incerteza, na divisão, no risco de um Brexit sem acordo ou até de Brexit nenhum."

Derrota catastrófica

Face à "derrota catastrófica" de Theresa May, como comentou o líder da oposição, Jeremy Corbyn, este avançou com o agendamento de uma moção de censura. Minutos antes May aceitara o agendamento, caso Corbyn assim fizesse. Foi a maior derrota parlamentar de um governo em mais de cem anos, já que o acordo de retirada do Reino Unido da União Europeia só recebeu o apoio de 202 deputados e o voto contra de 432.

Enquanto cem deputados trabalhistas vão fazer pressão para que um segundo referendo ganhe forma - segundo informações da Sky News -, Theresa May vai tentar sobreviver ao acordo.

Os deputados vão responder à questão: "Esta câmara não tem confiança no governo de sua majestade." Se o governo tiver maioria, tudo como antes. No entanto, Jeremy Corbyn pode voltar a agendar uma moção de censura. Foi isso que sugeriu o porta-voz do líder trabalhista, ao dizer que o executivo está "claramente incapaz de governar".

No entanto, se a moção de censura vingar, há 14 dias para os conservadores apresentarem novo governo. O que se segue é território por explorar, uma vez que uma crise com estes contornos ainda não ocorrera desde a introdução da legislação, em 2011, que prevê uma data fixa para as eleições, Fixed-term Parliaments Act. As próximas eleições são em 2022.

Theresa May tanto pode tentar formar novo executivo como pode passar o testemunho a outra pessoa do partido. Nesse caso, os partidos da oposição também poderiam apresentar alternativas, embora não se vislumbre, perante o atual quadro de deputados, que essa hipótese vingue.

May pode também pedir novas eleições, mas para tal precisa do apoio de dois terços dos deputados. Até agora, a líder dissera que convocar novas eleições não era solução.

Três dias para alternativa

Entretanto, em resultado da emenda aprovada na semana passada, o governo britânico tem três dias para apresentar ao Parlamento um plano B. O Brexit, com acordo ou sem acordo, vai acontecer no dia 29 de março, exceto se o Reino Unido pedir uma extensão do prazo ou, caso menos provável, revogar de forma unilateral a saída.

Portanto, se o governo - dirigido por May ou por outro líder - não quiser o hard Brexit e iniciar renegociações, terá de ganhar tempo e pedir a extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Em tal cenário, o Parlamento votaria um acordo reformulado, e no qual o mecanismo de salvaguarda (backstop), que envolve um controlo aduaneiro entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, fosse retirado. Mas essa hipótese parece afastada, como se viu pelas reações dos líderes europeus.

Consternação europeia

Vários líderes da União Europeia manifestaram-se sobre a contrariedade que representou a reprovação do acordo de saída do Reino Unido, mas também reafirmaram que não há lugar a renegociações.

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que supervisionou dois anos de negociações entre Londres e Bruxelas, disse que "o tempo está a esgotar-se".

Numa declaração, o luxemburguês advertiu que as hipótese de o Reino Unido deixar a UE sem acordo aumentaram.

Já o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, sugeriu que a única verdadeira solução era o Reino Unido permanecer na UE depois de os deputados britânicos terem derrotado o acordo de saída. "Se um acordo é impossível e ninguém quer sair sem acordo, então quem terá finalmente a coragem de dizer qual é a única solução positiva?"

O chanceler austríaco, Sebastian Kurz, que liderou a presidência rotativa da UE no semestre passado, resumiu o sentimento dos líderes europeus: "Lamento o resultado da votação do Brexit na Câmara britânica em Londres. De qualquer modo, não haverá qualquer renegociação do acordo de saída."

Já o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que o Reino Unido seria o maior perdedor se saísse da UE sem um acordo. Em termos mais claros exprimiu-se o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez: uma saída desordenada do Reino Unido seria "catastrófica".

E sem novas negociações?

Se continuar a não haver abertura por parte dos outros 27 países para novas negociações, como até agora têm reiterado, quem estiver a governar terá de optar entre sair da UE sem acordo, convocar eleições, ou um segundo referendo.

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