A húngara que na escola não sabia qual era a capital de Portugal
Nasceu na Transilvânia em 1970 e tem nacionalidade romena, vive em Portugal desde 1997 e tem passaporte português, mas quando perguntam a Ágnes Sárosi o que ela é a resposta é imediata: húngara. "Sou húngara de coração e a minha família é toda húngara, os meus pais são húngaros. Uma vez que tenho passaporte romeno toda a gente pensa que sou romena, mas a minha família é toda húngara, falamos húngaro em casa. Só não tenho nacionalidade por preguiça, até porque gostava que as minhas filhas tivessem. Tenho a papelada toda feita só me falta ir lá à embaixada entregar", explica, entre risos, a violinista da Orquestra Metropolitana de Lisboa e professora da Academia Nacional Superior de Orquestra.
A infância e a adolescência de Ágnes foram passadas na Transilvânia, "numa cidade que se chama em romeno Târgu Mures, que em húngaro se diz Marosvásárhely", como faz questão de dizer. "Foi muito interessante. Era uma ditadura comunista, muito fechada, [liderada por Nicolae Ceausescu], não sabíamos o que acontecia no mundo, fora da Roménia. Enquanto crianças não percebíamos o que se passava, não sentíamos o peso da ditadura, só senti que havia duas versões: a que falávamos em casa e a que se podia dizer fora de casa. Mas só mais tarde, a partir de ter entrado para a escola, é que comecei a perceber que as coisas eram mais complicadas do que pareciam em casa", recorda esta húngara de coração.
Nascida numa família de músicos, a música parecia uma inevitabilidade na vida de Ágnes. Aliás, como não tinha ama, nem andava no infantário, os seus primeiros anos foram passados numa sala de ensaios. Com cerca de cinco anos perguntaram-lhe que instrumento queria, como não soube responder, escolheram o violino por ela. Instrumento que esteve bem longe de ser um amor à primeira vista. "Demorou alguns anos até começar a gostar de estudar. No início era uma obrigação...", diz. Até porque quando chegava a hora de estudar era gozada pelas amigas, "ficava um pouco posta de parte do círculo dos amigos". Só quando começou a tocar numa orquestra de jovens, tinha uns nove ou 10 anos, é que passou a sentir "um prazer extraordinário".
A altura de entrar para a universidade coincidiu mais ou menos com a revolução romena que derrubou o regime comunista. Primeiro, passou três meses no Conservatório de Música de Iasi, na região da Moldávia, mas a experiência não correu bem. Ficou só três. Depois foi aceite na Academia de Música Franz Liszt, em Budapeste. "Gostei imenso de lá estar, tudo tinha outras dimensões, coisas que pareciam gigantescas antes - a minha cidade parecia-me grande, mas em Budapeste era tudo gigantesco", recorda. Foram seis anos, entre 1991 e 96, os que passou na capital húngara, antes de vir para Portugal, em 1997.
Apesar de ter viajado muito pela Europa, Ágnes Sárosi nunca tinha estado em Portugal. Conhecia o país, que agora também já é seu, de nome por causa da admiração que o pai, grande amante de futebol, tinha pelo Benfica (agora é sportinguista por causa do genro, português) e por nunca se lembrar do nome da capital portuguesa - Lisboa - nas aulas de Geografia quando era pequena.
A viagem que trouxe a violinista para Portugal lhe mudou-lhe a vida, mas é a ida da Roménia para Budapeste que lhe irá ficar na memória. "Passar a fronteira ainda hoje me cria um nó no estômago insuportável. Quando eu tinha 18 anos e houve a revolução e nós podíamos sair do país, as filas na fronteira eram de duas, três, cinco horas, às vezes um dia, era sempre um controlo e éramos humilhados outra vez, esta era a palavra-chave na altura. E ainda hoje, com tanta liberdade, continuo com a mesma sensação".