A Unilever já só faz gelados: multinacionais tentam sobreviver na Venezuela
A fábrica da Unilever nos arredores da cidade de Valencia, no norte da Venezuela, produzia tudo, desde sabão a pasta de dentes, numa das mais ricas economias da América do Sul. Agora, com os venezuelanos a enfrentar pelo quinto ano a recessão e a sua economia destruída pela hiperinflação, há poucos sinais de atividade. Uma mão cheia de trabalhadores vadia no interior do complexo, com um camião a passar pelos portões apenas ocasionalmente.
O conglomerado anglo-holandês diminuiu aos poucos a sua produção nesta nação produtora de petróleo para um único produto - os gelados Tío Rico (Olá, em Portugal) - produzidos em Valencia e noutra fábrica em Barquisimeto, 145 km para oeste. A produção do gelado Tío Rico parou noutra fábrica na sufocante cidade de Maracaíbo, no oeste da Venezuela, há mais de um ano.
"Até ao ano passado, estávamos a produzir 800 contentores de mil litros de gelado por mês", disse um dos trabalhadores da fábrica de Valência, que pediu para não ser identificado porque não estava autorizado a falar com os media. "Agora, estamos a produzir 40 por mês."
A redução no número de produtos permitiu a um punhado de multinacionais que continuam na Venezuela sobreviver à queda na procura e pode abrir o caminho para a saída de algumas, segundo uma dúzia de conselheiros de grandes empresas.
A Unilever Plc diz que vai ficar na Venezuela e está focada em reforçar a sua produção de gelados. Um porta-voz da empresa disse que a "produção está em consonância com a procura do mercado".
Mas o êxodo gradual das empresas, desde a de produtos de limpeza Clorox Co à dos cereais da Kellogg Co., assim como a reduzida esperança de mudança política, gerou especulação entre os analistas de que mais vão seguir.
Isso é ainda mais verdade depois de o presidente Nicolás Maduro ter anunciado este mês um aumento dos impostos sobre as empresas e do salário mínimo (60 vezes o valor até agora).
Na segunda-feira, trabalhadores protestaram na fábrica da produtora de pneus Pirelli depois de terem chegado e encontrado os portões fechados. Não era claro se a fábrica estava encerrada temporariamente ou se fechou.
"As multinacionais não estão a investir mais dinheiro na Venezuela. E se ficam é porque encontraram um balanço financeiro para se sustentarem", disse Luis Vicente Leon, um conhecido especialista em sondagem e economista. "Mas se este balanço ficar severamente afetado, vamos ver provavelmente as empresas a sair deste mercado", acrescentou.
Algumas multinacionais deixaram de vender alguns dos seus produtos mais conhecidos por causa do controlo monetário que as deixou em dificuldades para importar as matérias-primas e uma proibição de aumento dos preços apesar da hiperinflação, que se projeta possa chegar a um milhão por cento este ano.
A fábrica da Ford Motos Co, que já opera a uma capacidade extremamente reduzida, está desde julho a produzir um único modelo, um dos seus veículos utilitários desportivos, segundo o sindicalista Eliecer Cohen.
A Ford disse num comunicado que não tem planos para deixar a Venezuela, mas reconheceu que enfrentou um "decréscimo significativo na procura" nos últimos meses.
A General Motos Co. deixou a Venezuela no ano passado, depois de um longo processo judicial com dois antigos vendedores de automóveis que acabaram por assumir o controlo da fábrica, como parte de uma disputa de concessão.
A gigante de produtos de consumo, Johnson & Johnson, há mais de um ano que só produz um produto feminino, pensos diários, depois de deixar de produzir pensos higiénicos e cotonetes por falta de matéria-prima, segundo um sindicalista que pediu para não ser identificado. A empresa não respondeu ao pedido de informação.
As empresas estão a avisar com menos antecedência sobre os seus planos para fechar as operações na Venezuela, em parte para minimizar a potencial ação do governo, segundo os líderes empresariais e consultores ouvidos pela Reuters.
Quando a Clorox Co e a Kimberly Clark Corp fecharam as operações, os gerentes de topo já tinham deixado o país, segundo os sindicalistas.
A Kimberly Clark disse que as suas operações tinham sofrido por causa da hiperinflação e da dificuldade em obter as matérias-primas, por causa do controlo monetário.
A Kellogg ainda tinha material para três semanas de operações quando fechou, em maio, segundo um funcionário que não quis ser identificado. Os funcionários e os gerentes foram surpreendidos quando chegaram à fábrica e encontraram os portões fechados a cadeado.
A empresa disse na altura que tinha descontinuado as operações por causa da "deterioração económica e social". O controlo da fábrica foi assumido pelo governo. Dias depois, a televisão estatal mostrou depois imagens do reinício da produção por parte do governador do estado de Arágua.
Estes administradores estatais muitas vezes atrás no pagamento a fornecedores, de acordo com consultores empresariais, o que é uma má notícia para os fabricantes de embalagens como a que produz as caixas de cereais Smurfit Kappa Group Plc.
Autoridades governamentais ocuparam a fábrica na semana passada, alegando que a empresa não estava a cumprir a legislação laboral, recusava vender a empresas geridas pelo Estado e estava a cobrar demasiado pelos seus produtos.
Os serviços de informação militares venezuelanos prenderam dois dos executivos da empresa, segundo a agência de controlo de preços estatal Sundde. A Smurfit Kappa negou as acusações e disse que estava a tentar a libertação dos seus executivos.
Os sindicalistas disseram que uma das fábricas da Smurfit Kappa não está operacional desde julho e mandou os funcionários para casa - uma estratégia de muitas empresas estrangeiras que querem manter uma presença na Venezuela para evitar longos processos de obter licenças se quiserem regressar um dia.