A duas semanas das eleições, Trump refina ataques a jornalistas
As investidas de Donald Trump aos media já são um clássico na relação entre o presidente dos Estados Unidos e os jornalistas. A duas semanas das eleições presidenciais (3 de novembro) esses ataques têm-se intensificado, com o candidato republicano a escolher alvos individuais - os moderadores dos debates e entrevistas. E, numa jogada de antecipação, já começou a disparar contra Kristen Welker, que irá moderar o debate desta quinta-feira em que, pela segunda vez defrontará, Joe Biden.
Pretenderá Trump com esta estratégia obter um tratamento favorável na confrontação com Biden? Está a antecipar-se para ter justificação se o debate lhe correr mal? Trata-se de uma vitimização antecipada?
Para já, a correspondente da NBC na Casa Branca foi apelidada de tendenciosa e injusta por Trump. Que entende que deveria haver uma parte "neutra" para moderar o debate. "Kristen Welker é terrível. Quero dizer, ela é totalmente partidária. O seu pai e a sua mãe são grandes apoiantes de Joe Biden há muito tempo. Eles são apoiantes do Partido Democrata", disse Trump, acrescentando que a jornalista apagou a sua conta no Twitter.
A conta de Welker foi desativada no início do mês, horas depois da conta do apresentador da C-SPAN, Steve Scully, ter sido excluída da rede social. Scully, que tinha sido escolhido para moderar o debate de 15 de outubro (cancelado depois de Trump ter sido infetado com covid-19), alegou que sua conta foi pirateada depois do tweet em que se comunicava com o "inimigo" do presidente Anthony Scaramucci se ter tornado viral. Esta situação levou a que Scully tenha sido suspenso por tempo indeterminado pela C-SPAN, depois de o jornalista ter admitido que mentiu em relação à invasão da conta por piratas informáticos.
Voltemos ao novo debate. Para Trump, Kristen Welker "é muito pior do que Scully" e entende que há jornalistas mais adequados para conduzir o debate: "Existem pessoas lá fora que podem ser neutras. Kristen Welker não pode ser neutra." Mas não é só o árbitro deste frente-a-frente que está debaixo de fogo.
A Comissão de Debates Presidenciais também foi alvo das críticas do candidato republicano, que está contra as mudanças anunciadas antes do frente-a-frente desta quinta-feira - cada candidato terá o microfone desligado nos primeiros dois minutos em que o adversário falar.
Na linha em que parece assumir os jornalistas como os seus principais adversários nesta campanha, Trump foi protagonista de mais um episódio nesta terça-feira, 20 de outubro, que eleva a "guerra" com os media a um novo nível. Lesley Stahl passou a ser um dos alvos principais do presidente norte-americano que, abruptamente, decidiu pôr fim à entrevista para o programa 60 Minutes. A entrevista, gravada segunda-feira, está agendada para ser exibida no próximo domingo, 25.
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Em mais uma jogada de antecipação, Trump publicou no Twitter uma foto de Lesley Stahl sem máscara na Casa Branca (o que aconteceu imediatamente à entrevista ter terminado) e ameaçou antecipar ele própria a emissão da conversa.
Quando decorriam 45 minutos de entrevista, Trump decidiu, pois, encerrar bruscamente a conversa. E não voltou para a conversa programada com o seu vice, Mike Pence - no chamando "walk and talk", deveriam ser filmados a debater ideias enquanto se passeavam pelos corredores da Casa Branca, acompanhados pela apresentadora.
No dia seguinte, terça-feira, Trump colocou no Twitter o vídeo em que pretende embaraçar a jornalista da CBS. "Lesley Stahl do 60 Minutes sem máscara na Casa Branca depois de sua entrevista comigo. Muito mais por vir", escreveu o presidente. O que não deixa de ser curioso é que Trump surge imensas vezes sem máscara em público, incluindo quando se estava a recuperar da covid-19, e não se cansou de pôr em causa a utilidade desta proteção.
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À medida que a data das eleições se aproximam, Trump começou a preferir atacar os jornalistas individualmente. Chris Wallace, cara do Fox News Sunday, foi comparado, desfavoravelmente, ao seu pai, o famoso Mike Wallace, lenda do 60 Minutes. Foi Wallace que moderou o primeiro debate dos candidatos presidenciais a 29 de setembro - um debate em que até Joe Biden perdeu as estribeiras.
Também Savannah Guthrie, apresentadadora do Today Show da NBC, e que moderou chamada Town Hall da semana passada - uma assembleia em que os cidadãos colocam questões aos candidatos - foi considerada pela campanha de Donald Trump como "substituta de Joe Biden", ou seja, como adversária.
A lista continua. Jeff Mason, correspondente da Reuters na Casa Branca, ouviu o presidente chamar-lhe criminoso quando perguntou a Trump por que razão estava a chamar isso mesmo a Joe Biden: "Deixe-me dizer uma coisa: Joe Biden é um criminoso, e ele é um criminoso há muito tempo... E você é um criminoso, os media, por não o noticiar."
Os ataques de Trump aos media são uma constante - as imagens de Trump a abandonar a sala de imprensa sem responder, a mandar calar ou insultar jornalistas tornaram-se frequentes. Estes ataques têm levado as Nações Unidas a dizer que Trump alimenta a violência contra os jornalistas. A última foi em julho passado, quando o relator da ONU para a liberdade de expressão, David Kaye, disse que o presidente contribuiu para um mundo hostil nos EUA e no resto do mundo e teve uma influência negativa na liberdade de imprensa.
"Uma característica que sobressai nos últimos três, quatro anos, é a forma como este Presidente se tem dirigido aos media, denegrindo a imprensa e a liberdade de imprensa", destacou David Kaye, que apontou ainda a desinformação emanada a partir da Casa Branca.
A "guerra suja à liberdade de imprensa", levou mais de duas centenas de jornais norte-americanos a publicar, a 16 de agosto, editoriais a condenar a postura presidencial em relação aos media. A iniciativa partiu do The Boston Globe, mas rapidamente outros se juntaram, como o The New York Times, The Denver Post ou The Philadelphia Inquirer.
"Falsos e nojentos" são alguns dos mimos atribuídos aos jornalistas, que Trump acusa ainda de fabricarem fake news. A CNN e o jornalista Jim Acosta estão no topo das preferências do chefe do estado norte-americano quando começa a disparar insultos. Em julho, numa conferência de imprensa numa visita ao Reino Unido, recusou responder ao jornalista. "A CNN é fake news. Não aceito perguntas da CNN", disse.
Poucos dias depois, Acosta foi rodeado por apoiantes de Trump num comício em Tampa, na Florida. Insultado, foi forçado a deixar o local. "A CNN não presta", gritavam.
Jornalistas rodeados, de forma ameaçadora, por apoiantes de Trump não constitui uma novidade. É o caso dos elementos da Qanon, que junta amantes da teoria da conspiração e da extrema-direita.