A direita tomou Brasília, depois São Paulo e agora o Rio

O país e as suas duas principais cidades vão parar às mãos de conservadores, neoliberais e religiosos. É a ressaca de 13 anos de PT
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Michel Temer, o novo presidente da República, conta com a fidelidade do mais conservador Congresso Nacional da história para aprovar uma lei que limita por 20 anos o investimento em saúde e educação. Henrique Meirelles, ministro das Finanças, sonha com um país com menos Estado e gastos públicos sob rígido controlo. João Doria, eleito prefeito de São Paulo, promete privatizar estádios, autódromos e outros locais emblemáticos da cidade. E Marcelo Crivella, o bispo e cantor gospel que ganhou com confortável vantagem a eleição municipal no Rio de Janeiro, tem um passado de intolerância contra não evangélicos e homossexuais. Depois de 13 anos de domínio do Partido dos Trabalhadores (PT), o Brasil virou à direita.

"Foi a maior curva à direita que o Brasil fez neste século", escreve a Veja, ela própria um bastião da direita no país. Segundo a revista brasileira mais lida, três fatores levaram a essa viragem: "A força monumental do antipetismo, que infligiu a maior derrota da história do PT; a crescente identificação do eleitorado com a direita; e o triunfo, ainda lento e gradual, de um mal perigoso - a antipolítica, bandeira levantada, quase sempre, por candidatos do conservadorismo."

"São fenómenos mundiais, há por um lado o avanço de uma direita muito conservadora, em lugares como a França, a Alemanha ou os EUA, com o Donald Trump, e, no entanto, há experiências muito ricas como o novo prefeito de Londres, que é muçulmano [Sadiq Khan], o ingresso no Partido Trabalhista inglês de uma juventude que nunca tinha entrado na política, o Podemos na Espanha ou o Bernie Sanders também nos EUA", reage, por sua vez, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Marcelo Freixo, o candidato do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), de extrema-esquerda, à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Freixo ficou 19 pontos atrás de Marcelo Crivella, candidato do Partido Republicano Brasileiro (PRB), ligado à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), na segunda volta da corrida para a prefeitura carioca. Crivella, sobrinho de Edir Macedo, foi o último passo da inversão na política brasileira ao longo de 2016, que começou a materializar-se com a substituição da petista Dilma Rousseff, do PT, pelo vice-presidente Michel Temer, do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), força conservadora abrangente que, embora não se defina ideologicamente, está, seguramente, à direita do petismo.

O momento seguinte foi a vitória de João Doria, face ultraliberal do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), basicamente de centro-direita, nas eleições de São Paulo sobre o candidato à reeleição Fernando Haddad, do PT. No total, a direita aproximou-se dos 80% em número de prefeitos eleitos em todo o país nas municipais.

Mas no Brasil não há apenas uma direita: há, como num cubo, pelo menos seis faces. Além da tradicional, representada por Temer e por uma longa linhagem de políticos made in PMDB, iniciada em José Sarney, presidente de 1985 a 1989, ganha protagonismo a neoliberal, do ministro das Finanças do jovem Partido Social Democrático (PSD) Henrique Meirelles, considerado, em simultâneo, a referência e a estrela do governo Temer. Mais neoliberal ainda, o paulistano Doria, que se define como empresário, representa o tal "mal perigoso" a que se refere a Veja dos "políticos antipolíticos" em momento de aversão geral à classe por causa da operação Lava-Jato.

Outras faces, mais específicas do Brasil, também ganham preponderância: a direita religiosa, que passou neste fim de semana a detentora do poder municipal no Rio, segunda cidade do país; a direita militar, que se baseia num discurso populista anticriminalidade mas com pontos de contacto, na área dos costumes, com a religiosa, como prova o facto de o Partido Social Cristão (PSC) abrigar tanto o capitão na reserva Jair Bolsonaro como o bispo evangélico Marco Feliciano; e a direita rural, que defende os latifundiários num dos países líderes globais na agricultura.

Com este pano de fundo - poderes executivo, legislativo e municipal sob sua alçada -, o caminho parece pavimentado para a vitória de um candidato de direita nas presidenciais de 2018. Geraldo Alckmin, o avalista de Doria e um dos presidenciáveis do PSDB, ganha avanço, mas o partido de Fernando Henrique Cardoso, presidente de 1995 a 2003, tem ainda Aécio Neves, derrotado em 2014 por Dilma, e José Serra, ministro dos Negócios Estrangeiros, na calha. E, no atual governo, Meirelles e o próprio Temer também já contam espingardas. Sem esperanças de segunda volta mas prontos a marcar posição, membros das alas religiosa, militar e rural também devem avançar.

À esquerda brasileira resta das quatro uma: radicalizar-se - "o pacto com a burguesia esgotou-se, a alternativa é uma aliança com os movimentos sociais de massa", disse Washington Quaquá, presidente do PT do Rio de Janeiro -, confiar no carisma de Lula, ainda à frente nas sondagens, optar por uma frente ampla em torno de outro nome, como Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que ajudou a eleger um protegido seu em Fortaleza, ou acreditar na expansão das investigações da Lava-Jato para o lado direito da esfera política. Mas, por enquanto, a direita é o caminho.

Em São Paulo

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