As sete vidas de Lula da Silva
Em 1945, semanas antes de Luiz Inácio nascer em Caetés (Pernambuco), o seu pai, Aristides, migrou do sertão nordestino para Santos, litoral de São Paulo, acompanhado, entre outros, do filho mais velho e de uma prima da sua mulher e mãe de Lula, Dona Lindu. Quando Dona Lindu, a quem Lula dedicaria o primeiro discurso na presidência, reuniu os outros sete filhos e viajou por 13 dias e 13 noites num camião improvisado para reencontrar o marido, descobriu que Aristides havia, entretanto, constituído família com a sua prima. Por anos, toda a gente viveu sob o mesmo teto de lata, algures no Guarujá, onde um célebre triplex décadas depois pode ter arruinado a carreira de Lula.
Até Dona Lindu se separar do alcoólico Aristides e levar os filhos para São Paulo, Lula vendeu laranjas pela orla de Santos, catou caranguejos no mangue, engraxou sapatos e trabalhou numa tinturaria. Em 1961, formou-se torneiro mecânico e cinco anos depois conseguiu emprego na metalúrgica Villares, na "Detroit brasileira", ou seja, São Bernardo do Campo, sede da Volkswagen, da Ford, da Mercedes Benz e da Toyota. Foi a morte, em 1969, da sua primeira mulher, Lourdes, por causa de uma hepatite ao oitavo mês de gravidez, que também vitimou o bebé, que levou o jovem metalúrgico para o sindicalismo. "Para ocupar a cabeça", justificou à mãe, que não aprovava a ideia.
Primeiro de bigode, depois com a barba que se tornou sua imagem de marca, mas sempre de voz rouca, descobriu em si o dom de palavra e o gozo de emocionar multidões. Mora, agora sozinho, desde que os filhos se casaram e a segunda mulher, Marisa Letícia, morreu em 2017, a pouco mais de um quilómetro da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Foi lá que Dona Marisa foi velada, foi lá que assistiu ao julgamento que o condenou a 12 anos e um mês de prisão e foi lá que se refugiou por 48 horas após ser decretada a sua prisão. O momento mais emblemático da sua vida sindical deu-se num comício no Estádio Vila Euclides para 100 mil metalúrgicos, que Lula domou sem ajuda de megafones - os da frente iam passando palavra aos outros. Ficou decidida aí a primeira de um conjunto de greves que ganhou repercussão internacional e precipitou o fim do regime militar. Após 40 dias, Lula cedeu, para desilusão de milhares de metalúrgicos, e negociou com os patrões: nascia o político.
Depois da prisão e das greves que pararam o ABC paulista, Lula fundaria, acompanhado por intelectuais, o Partido dos Trabalhadores (PT) no início dos anos 80. Candidatou-se três vezes à presidência da República, perdendo uma para Collor de Mello e duas para Fernando Henrique Cardoso.
À quarta foi de vez: o migrantes de Caetés chegou ao mais alto cargo da nação, em 2002, de onde sairia em 2010 com 80% de aprovação popular. E à quinta, ao ser reeleito, também. E à sexta e à sétima, ao fazer eleger Dilma Rousseff, idem.
Atingido apenas de raspão no esquema de compra de deputados conhecido como Escândalo do Mensalão, acabou ferido de morte no Escândalo do Petrolão, um mega caso de corrupção em torno da Petrobras, investigado pela Operação Lava-Jato. Pelo meio viu o Governo Dilma ruir e o PT ser apeado do poder, 13 anos depois. Decidiu ser pré-candidato às eleições de outubro, mesmo preso, e lidera todos os cenários de todas as sondagens.
Acorda antes das 07.00 e toma café e pão com manteiga de pequeno-almoço. Sempre às 9h ouve manifestantes da vigília Lula Livre gritarem "bom dia, presidente Lula". Às 11.30 almoça arroz, feijão, massa, carne e salada com garfo e faca de plástico. Às 15, tem direito a café com leite e pão doce. O jantar, servido às 18 horas, é semelhante ao almoço. Às 19, os manifestantes gritam "boa noite, presidente Lula". Nos intervalos, passa duas horas a tomar banho de sol e os restantes tempos livres a ver televisão e a ler. "A Elite do Atraso", do sociólogo Jessé de Souza, "Homo Deus", de Yuval Noah Harari, e mais de cinco mil cartas de militantes foram a sua leitura até agora. Pode receber os advogados sempre que quiser e visitas de familiares ou amigos às quintas. Detido, no caso do triplex, em Curitiba desde as 18.42 (22.42 em Lisboa) do dia 7 de abril, acompanhou atrás das grades a eleição de Jair Bolsonaro para novo presidente do Brasil, a 28 de outubro, derrotando o candidato do PT Fernando Haddad. Lula não pôde ser candidato, apesar de a ONU ter defendido os seus direitos políticos. A 19 de dezembro, o juiz do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Marco Aurélio, determinou a libertação de todos os presos que estão detidos por condenações após a segunda instância da Justiça, incluindo Lula, de 73 anos.
*Artigo originalmente publicado a 14 de julho e atualizado às 17.15 de 19 de dezembro