TV inglesa é tubo de ensaio para êxitos "made in USA"
Dirk Gently's Holistic Detective Agency, que se estreou no dia 11 na Netflix, marca o regresso de Elijah Wood ao pequeno ecrã e é mais um original britânico a ser adaptado pela TV norte-americana. A ideia inicial do formato é da BBC, que em 2010 lançou duas temporadas com o nome Dirk Gently. O spin-off da plataforma de streaming tem oito episódios e mostra as aventuras de Gently (Samuel Barnett), um excêntrico detetive holístico, que é acompanhado por Todd (Elijah Wood), um parceiro um pouco mais prudente e comedido.
A nova dupla junta-se ao rol de produções que têm atravessado o Atlântico em busca de consagração universal, numas vezes com sucesso, noutras nem tanto. Uma tradição antiga que se tem intensificado nos últimos anos. Só desde o início desta década já viram a luz do dia as versões norte-americanas dos originais ingleses House of Cards, Black Mirror, Skins, Veep (The Thick of It), Being Human, Shameless, Free Agents e Mistresses.
Provavelmente, antes de 2010, aplicar-se-ia o velho ditado de que "a pior coisa que se pode fazer a um britânico é obrigá-lo a ver a adaptação americana da sua série preferida". Hoje, perante a aclamação universal da maioria dos últimos remakes e spin-off, o ditado pode bem ser "a melhor coisa que se pode fazer a um britânico é adaptar a série dele e torná-la famosa".
O preconceito dos britânicos em relação às versões made in USA é antigo e, de acordo com os próprios, deve-se ao "fervor patriótico", mas também a experiências mal-sucedidas. Skins é um desses exemplos. Emitida com aclamação dos espectadores e da crítica na Europa, chegou à MTV nos EUA com uma versão politicamente correta do enredo, feita para agradar às conservadoras associações de espectadores, bem como com erros de casting, o que motivou o seu cancelamento após a primeira temporada.
"A televisão é, em grande parte, um produto da nação em que é criada. Não só o conteúdo mas também a aparência ou o tom em que é apresentada. Então pode soar sempre postiço transplantar subitamente estas ideias para outro lado, retirando-as do seu contexto original", defende o jornalista James Whitbrook.
No entanto, tem sido uma opção cada vez mais recorrente. Perante o desgaste de formatos tradicionais da TV norte-americana, dominada por grandes cadeias privadas orientadas para as receitas comerciais, a criatividade estrangeira tem sido um aditivo importante. "Verifica-se um esgotamento dos arcos narrativos. Estão a fazer clones dos próprios originais, como acontece com o CSI, ou a prolongar excessivamente as séries durante demasiadas temporadas", aponta Dora Santos Silva, investigadora na área das Indústrias Criativas e docente da Universidade Nova de Lisboa. "É natural que as produtoras, ao verificar o êxito das séries britânicas, as adaptem à sua realidade", sintetiza. Acrescenta ainda que, "em muitos casos, os americanos conseguem, pela escala de produção que têm, torná-las mais atrativas, dando-lhe uma dimensão e uma espetacularidade que, até por questões de orçamento, os europeus não conseguem".
A investigadora realça ainda a cultura norte-americana, muito baseada no consumo de produção nacional. "Apenas as classes mais elitistas veem televisão europeia, não há uma tradição de transmissão de originais estrangeiros, e é por isso também que os americanos optam por adaptar, ao invés de importar."
A procura por séries tem aumentado, mas as formas de consumo têm mudado. "Hoje, a televisão tradicional disputa espaço com os torrents, com os downloads ilegais, e mesmo com as plataformas de streaming", o que, de acordo com Dora Santos Silva, exige mais de quem produz. "Querem ganhar dinheiro depressa e, para isso, é mais rápido adaptar algo já bem-sucedido do que criar um produto novo."
"O mercado das séries teve uma evolução espantosa e isso vê-se também pela transição dos grandes atores de cinema, que estão agora em TV. Há um grande investimento nas séries, mas também nos argumentos. No fundo, uma série vive muito do seu argumento e da capacidade de se desdobrar em vários arcos narrativos. E os britânicos são muito bons nisso, não há como fugir", conclui a docente da Universidade Nova de Lisboa.