SIC alvo de processo criminal por Supernanny
Desobediência a requerimento da Comissão de Proteção de Menores implica procedimento criminal, diz presidente da comissão
"Lamentamos que a SIC não tenha atendido o pedido da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Loures. Tendo considerado que a criança [retratada no primeiro episódio do programa, com sete anos] estava em perigo, a CPCJ de Loures atuou no âmbito da aplicação da medida de promoção e proteção da criança, instando a SIC a retirar as imagens das várias plataformas. O não cumprimento leva a que o MP inicie procedimento criminal."
O esclarecimento é feito por Rosário Farmhouse, a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens, que frisa terem os pais da menor em causa, que tinham autorizado as filmagens, concordado com o pedido de eliminação das imagens feito à SIC. E explica o que sucederá doravante com as famílias que autorizem a exposição dos menores: "Caso persista a exposição da privacidade nos moldes em que tem acontecido, sabendo já os pais de que modelo se trata, as Comissões Locais vão, necessariamente, contactar os pais das crianças e jovens envolvidos e ter em conta nos atos concretos da medida a aplicar, neste contexto. Cabe a cada Comissão atuar de acordo com as características de cada caso. Depois desse primeiro contacto, as Comissões só podem agir com consentimento dos pais. Nas situações em que esse consentimento é recusado as Comissões remetem, como é de lei, para o ministério público, que requererá a abertura do processo de promoção e proteção judicial." Ou seja, todos os pais que abram as portas da intimidade dos filhos às câmaras do Supernanny arriscam intervenção dos tribunais.
Assumindo que, ao contrário do que foi noticiado, não houve um pedido de ajuda de familiares os menores exibidos no segundo episódio (anteontem) - "Foram familiares de crianças envolvidas noutro episódio que, inicialmente, pensavam que o programa em que participavam essas crianças seria o segundo a ir para o ar" -, Farmhouse remete para a comissão da área da família (SINTRA) a decisão sobre se vai ou não exigir a eliminação das imagens das crianças, como sucedeu relativamente ao primeiro episódio. E adianta que a instituição a que preside ainda não tem conhecimento da identidade de todas as crianças que foram já filmadas pela produção do programa.
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Recorde-se que a SIC, que entretanto viu a marca que patrocinava o programa desistir desse patrocínio devido ao "tumulto social em torno do mesmo", não respondeu às questões do DN sobre "arrependimento" dos detentores do poder paternal, colocadas na semana passada, limitando-se a dizer que todas as famílias que participam o fazem "de livre vontade". Como procede a produção do programa se as famílias mudarem de ideias após assinado o contrato não é dito. Aliás, Rosário Farmhouse, que ontem esteve no debate organizado pela SIC sobre o Supernanny, informa que não tem havido qualquer diálogo com a estação: "Não houve mais contactos entre a Comissão e a SIC, para além dos que foram tornados públicos."
Quanto à possibilidade de, ao invés de agir depois daquilo que a CNPDPCJ qualifica como uma violação dos direitos das crianças, se tentar evitar essa violação através da suspensão do programa, a presidente clarifica que "as comissões podem sugerir providências cautelares mas cabe ao MP, como representante das crianças, assumir esse papel."
"Inadmissível", diz Ordem
O mesmo frisa Alfredo Castanheira Neves, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, a qual publicou ontem um comunicado duríssimo sobre o Supernanny, reputando-o de "inadmissível" e "violação desproporcionada dos direitos de personalidade dos menores". "Compete ao MP a tutela dos direitos dos menores, a proteção dos seus direitos fundamentais", diz o presidente daquela secção da OA, que põe a possibilidade de, caso não suceda, como se lê no comunicado, que "os direitos dos menores venham a ser devidamente sopesados, por forma a que a sua imagem e identidade não possam ser publicamente divulgadas pela comunicação social em conteúdos informativos ou de entretenimento semelhantes ao programa em causa", a OA venha a "usar outros métodos, outras prerrogativas".
E exemplifica: "Por que não recorrer à intervenção do Provedor de Justiça e ao MP? Vamos ficar atentos e estamos na disposição desencadear o que estiver ao nosso alcance." É que, explica, apesar de terem chegado já à Provedoria de Justiça queixas sobre o programa, "uma coisa, com todo o respeito, são posições individuais, outra são posições institucionais." A OA pode até, elenca, "provocar a abertura de um inquérito, pode solicitar a intervervenção do MP, dispondo da possibilidade de se constituir assistente. Está na esfera das nossas competências alertar para este tipo de situações."
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados junta-se a um coro de protestos que, além da já citada Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens e da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Loures, inclui o Instituto de Apoio à Criança e a Unicef Portugal.
Surgiram também já vozes a defender o programa e a reputar de "censura" a ação da Comissão de Loures, como a do jurista Francisco Teixeira da Mota (domingo no Público) que considera nada haver no Supernanny que "justifique atuações do Estado para além das que a Margarida [a criança retratada no primeiro episódio] e a sua família desejem".
Contactada pelo DN, a PGR não esclareceu se, tendo afirmado estar a "acompanhar a situação e a analisar todas as possibilidades legais de intervenção", já chegou a uma conclusão sobre o que fazer.