O Sexo e a Cidade. A maioridade da série que mudou o papel da mulher
Do outro lado do Atlântico, quatro mulheres protagonizaram não só uma das séries mais famosas de todos os tempos, como provocaram uma autêntica revolução no pequeno ecrã... e fora dele. Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha passaram a fazer parte do quotidiano de milhões de pessoas por todo o mundo, que seguiam de fio a pavio as conversas desempoeiradas e sem tabus das protagonistas de O Sexo e a Cidade. Dezoito anos após a estreia e mesmo depois de ter terminado em 2004, ao fim de seis temporadas, a série norte-americana continua a fazer parte do imaginário por ter desbravado caminhos nunca antes trilhados.
Mais do que ter sido um dos maiores fenómenos televisivos de sempre, a série, inspirada nos livros de Candace Bushnell e criada por Darren Star, trouxe uma nova abordagem relativamente ao papel da mulher na sociedade: bem-sucedida a nível profissional, financeiramente independente e com uma vida sexual ativa. Margarida Rebelo Pinto enaltece o facto de O Sexo e a Cidade ter contribuído para "a massificação da liberdade dos costumes e da liberdade da linguagem". "As protagonistas falam abertamente sobre sexo e sobre relações. A série quebrou uma conjunto de tabus e fez cair uma série de cortinas. De certa forma diminuiu a mentalidade de fachada que é típica das sociedades católicas, onde é tudo escondido e não basta ser, há que parecer", realça a escritora.
"Interessante, fresca e picante." É assim que a argumentista Raquel Palermo adjetiva a série que, na sua ótica, contribuiu para contrariar "a ideia conservadora" de que as mulheres têm "obrigatoriamente de casar e ter filhos". Além disso, mostrou ao mundo que "elas podem sair à noite sozinhas e ser independentes".
O facto de ter sido pioneira na abordagem de temáticas relacionadas com a sexualidade feminina agrada a Carmo Gê Pereira, educadora sexual para adultos. "O Sexo e a Cidade é a primeira série com alcance mundial a falar abertamente sobre sex toys [brinquedos sexuais]. A inclusão do rabbit, brinquedo de estimulação clitoriana e vaginal, num dos episódios teve um impacto tremendo nas vendas, quer nos EUA quer no resto do mundo, bem como na reprodução das várias marcas deste modelo", explica a especialista. "Ao mesmo tempo tirou do armário e abriu espaço para se falar abertamente sobre estes temas e agora é mais do que comum assistirmos a uma série e vermos referências, indiretas ou mais diretas, sobre sex toys e masturbação. Na altura não. Nem sequer se falava sobre masturbação feminina na maior parte das séries", acrescenta.
Além de ter trazido para a sala de estar as conversas sexuais de quatro amigas e de ter ajudado a contribuir para a emancipação feminina, O Sexo e a Cidade produziu um forte impacto no mundo da moda. Apesar de não ter seguido o formato com regularidade, a estilista Fátima Lopes reconhece que a série vencedora de oito Globos de Ouro e sete Emmys foi um empurrão para várias marcas. "Ajudou a lançar marcas de moda internacionais. Antes desta série nunca se tinha falado tanto em sapatos Louboutin. Também ajudou a popularizar os cosmopolitans [cocktails] e até mesmo o telemóvel Blackberry. Eu própria também tinha um na altura", admite.
Na mesma linha, Margarida Rebelo Pinto aplaude o impacto produzido pela série, e que "ultrapassa muito a componente lúdica". "A recuperação da feminilidade e da elegância foi muito importante. Nos anos 1980 e 90 havia muito a ideia de que a mulher para ter sucesso e progredir no mundo laboral tinha de ser como um homem." E vai mais longe: "Não sei se hoje em dia as mulheres teriam voltado a ser tão femininas se não fosse o fenómeno de O Sexo e a Cidade."
Não há bela sem senão
Não obstante o sucesso da série, que já deu origem a dois filmes, nem tudo foi positivo na história protagonizada por Sarah Jessica Parker, Kristin Davis, Cynthia Nixon e Kim Cattral. Apesar de à luz dos anos 1990 ter sido "extremamente revolucionária", Carmo Gê Pereira realça que as protagonistas são "redutoras e estereotipadas". "Se olharmos com alguma maturidade, o que parecia progressista e feminista tinha na realidade uma série de discursos problemáticos. A própria relação da protagonista é cheia de momentos de abuso e de situações complicadas", observa.
Já Margarida Rebelo Pinto salienta que a série "criou muitas confusões nas cabeças dos homens e das mulheres quanto à atribuição e diferença de papéis nas relações, na família e na gestão da casa".
"Colocaram as mulheres supostamente num lugar de igualdade em relação aos homens, só que as mulheres e os homens são muito diferentes. Esta geração toda que cresceu a pensar que os homens e as mulheres são iguais está a cair no maior equívoco da sua vida", frisa.
Entre elogios e críticas, a verdade é que O Sexo e a Cidade se traduziu num fenómeno de audiências que impulsionou a origem de outras séries centradas no universo feminino, tais como Donas de Casa Desesperadas, Gossip Girl, Lipstick Jungle, Girls ou L Word.