"Num desastre nunca sabemos como reagir". E é isso "Fear The Walking Dead"
"Cheguei ontem e a série deve ser mesmo popular", diz o ator Rubén Blades, fazendo aquela pausa que antecede uma piada. "Quando miúdos de 15 anos querem o meu autógrafo..." Daniel Sharman, ao seu lado, ri-se. "Eu sei! Estão à espera dele!", continua, dirigindo-se ao jovem colega do elenco da série Fear the Walking Dead.
É uma manhã de julho típica em Madrid. Quente e agitada. Às 09.00, já há fãs à porta do hotel Westin Palace, clássico pouso de estada das estrelas que aterram na capital espanhola para entrevistas. Esperam por aqueles que conhecem como Daniel Salazar e Troy Otto na prequela do êxito Walking Dead.
Duas horas depois já estão do outro lado do passeio, protegendo-se do calor. Os atores, Daniel Sharman e Rubén Blades, multiplicam-se em entrevistas. Recebem o DN cerca das 09.30. É uma divisão comprida e eles estão sentados, descontraídos, num desses sofás que fazem semicírculo.
Daniel Sharman tinha aterrado em Madrid poucas horas antes. O ponto de partida tinha sido San Diego, na Califórnia, onde tinha participado na Comic Con. "Depois de um voo de 14 horas, meio atordoado, é tão querido da parte deles estarem ali e eu nem consigo ver bem."
É nos fãs que a conversa começa. São a base de apoio da série, prequela de outro formato de êxito, Walking Dead, que entra agora na segunda metade da terceira temporada, uma contabilidade elaborada que se pode resumir assim: Fear the Walking Dead tem funcionado e o canal aposta nela. O recomeço está marcado para 11 de setembro, às 22.10. O que atrai os fãs? "É um homem lindo!", brinca Blades sobre o colega. Daniel, 31 anos, natural do Reino Unido, conhecido pelos seus desempenhos em Imortais (2011) e em Lobisomem Adolescente, entre 2012 e 2014, toma a palavra. "O que é interessante é que agora a narrativa apanhou a audiência. Os espectadores sabiam que ia haver um apocalipse, mas agora as personagens também já sabem, o que é interessante porque podem ser surpreendidos."
"É isto e ele, sendo uma pessoa mais jovem e um ótimo ator, conseguir projetar as emoções de alguém desta idade", elogia Rubén Blades. "O meu período mais difícil foi entre os 13 e os 17 anos. Não entendia os problemas económicos, as tensões em casa, o que se passava no seio da minha família, mais o acne, querer ser popular, a voz que muda, é um tempo muito esquisito... Portanto, quando se consegue transmitir essa angústia e essa realidade, as pessoas ligam-se", completa.
No caso da sua personagem, Daniel Salazar, que se julgava morto e regressou, ensombrado por não saber da filha, o segredo do êxito é outro, julga Rubén Blades. "Sabe sempre o que fazer", dispara. Não por acaso, apesar do que levamos desta temporada ter cedido protagonismo à mulher, Ofelia Salazar (a atriz Mercedes Mason), continua a ser considerado um dos líderes. O que acontecerá? O ator, que é também músico, resguarda-se, citando a letra de uma das suas mais conhecidas canções, Pedro Navaja. "A vida dá-te surpresas." E lembra a premissa de que parte Fear of the Walking Dead, numa época ainda sem zombies. "Num desastre nunca sabemos como vamos reagir."
Natural do Panamá, Blades, 69 anos, além de reconhecido cantautor foi ministro do Turismo do seu país, pretexto para abordar o lado político de Fear the Walking Dead, uma série que vem abordando temas como o sobrevivencialismo e as características dos diferentes regimes políticos. Seria possível antes de Donald Trump chegar à presidência dos EUA? "Claro que sim. Podia ter sido feito em qualquer altura. Especialmente na América Latina e as suas ditaduras. O Daniel Salazar está a escapar a uma guerra civil, é esse o seu passado."
Daniel Sharman traz uma nova perspetiva ao debate. "É uma investigação sobre a natureza humana. Uma certa parte do mundo percebeu agora que a democracia é frágil, mas o resto do mundo já o sabe há muito tempo."
Para o ator inglês, a pergunta de que parte a série é outra: "Em caso de dificuldade, o que faria a humanidade? Haveria grupos e fações?" Blades concorda. "Neste preciso momento estamos a dar muita atenção ao que se passa em alguns lugares, mas é mais geral." Surgem temas como a xenofobia, o racismo, a imigração. "As pessoas estão a relacionar-se com estes assuntos hoje, mas podiam estar a fazê-lo há três anos", acrescenta Daniel Sharman. "Há uma ironia nesta série: os EUA a correrem para o México para escaparem", refere Rubén Blades. "Vais para onde te sentes a salvo."
A conversa deriva para os bastidores. Como manter a coerência das personagens numa série em que, justamente, a surpresa é a alma do negócio e é gravada fora da sequência que vemos no episódio?
Blades revela que mantém um diário "para ter um entendimento sobre o que fiz e porquê". "E recomendo." O método começa lá atrás, no entanto. Construiu um passado para a sua personagem. "A que posso recorrer sempre que preciso." Acrescenta: "E tento sempre levar qualquer coisa para a personagem, o que se chama num jogo de cartas o sinal."
Sharman confessa o seu espanto com o pouco que conversa com os guionistas. "Eles escrevem mesmo bem, mas não dizem nada." Foi assim, por exemplo, numa das mais memoráveis cenas que protagonizou, quando Troy Otto é torturado com uma colher no olho. "Confiam muito nos atores, o que é ótimo. Dizem-nos o básico. Não ensaiamos e conseguem grandes personagens e detalhes." "E desempenhos", atalha Blades. "É suposto fazermo-lo, mas uma coisa é o que é suposto e outra é conseguirmos. Não existem condições para repetições. É preciso confiar nos instintos."
O tempo terminou, anuncia a representante do AMC. Os atores hão de continuar várias horas mais e num calendário cronometrado ao segundo, mas que inevitavelmente derrapa, encontram-se à tarde com alguns fãs. À porta do hotel, o grupo já tem mais de uma dezena de pessoas. Sobressaltam-se sempre que alguém sai. É uma longa espera.
Fear The Walking Dead
Canal AMC
Estreia no dia 11 de setembro, às 22.10
NOS (posição 84), Meo (posição 86) e Nowo (posição 38)
[A jornalista viajou a convite do AMC]