Da Space X a Jim Carrey. Fecho de contas no Facebook acelera

Ainda não é conhecido o impacte da crise provocada pela quebra de privacidade no número de seguidores. Mas, há muitas personalidades a fechar a conta na rede social
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A SpaceX acaba de conseguir autorização da Comissão Federal de Comunicações para oferecer banda larga via satélite, mas ninguém vai ler sobre isso na sua página do Facebook. Elon Musk ordenou a saída da empresa espacial e da Tesla da rede social, em protesto após o escândalo de violação de privacidade ligado à Cambridge Analytica. Seguiram-se outras empresas, que decidiram suspender o investimento em anúncios no Facebook: é o caso da Mozilla, que disponibiliza o navegador Firefox, o Commerzbank, segundo maior banco alemão, a Sonos, fabricante de eletrónica, a Pep Boys, um retalhista de componentes automóveis, e até a revista Playboy. A lista está a crescer e entretanto engloba também celebridades, da banda Massive Attack à cantora Cher e aos atores Will Ferrell e Jim Carrey.

O CEO Mark Zuckerberg, que entretanto se desdobrou em entrevistas para clarificar a forma como o Facebook lidou com o problema da Cambridge Analytica - a empresa teve acesso aos dados de perfis dos utilizadores do Facebook e utilizou-os com o objetivo de formar opiniões em eleições, por exemplo nas norte-americanas e na votação do brexit, em Inglaterra -, ordenou uma reformulação das definições de privacidade. É que o escândalo levou muitos utilizadores a descobrirem que a rede social detém sobre si muito mais dados do que pensavam. Por exemplo, os utilizadores de smartphones com Android perceberam que a app Messenger não só capturou os contactos telefónicos como um registo de mensagens de texto e chamadas. Todo o modelo de recolha e monetização de dados pessoais, que é o centro do negócio do Facebook, está em causa.

Esta invasão de privacidade consentida, ainda que os utilizadores possam não ter consciência disso, faz parte do desenho da própria rede social. Isso ficou patente nesta semana, quando o site BuzzFeed publicou um memorando interno escrito há dois anos por um dos vice-presidentes do Facebook, Andrew Bosworth. Nele, o executivo fala dos potenciais efeitos colaterais das estratégias de crescimento da rede social, todas englobadas na missão principal de ligar pessoas.

"Conectamos pessoas. Ponto final. É por isso que todo o trabalho que fazemos para crescer é justificado", escreveu o vice-presidente da rede social, que tem mais de 2,2 mil milhões de utilizadores ativos. Bosworth fez uma admissão notável: "Então conectamos mais pessoas. Isso pode ser mau se o tornarem negativo. Talvez custe a vida a alguém ao expô-lo a bullies. Talvez um dia alguém morra num ataque terrorista coordenado com as nossas ferramentas."

Zuckerberg apressou-se a dizer que não concorda com o conteúdo do memorando e Bosworth esclareceu que o intuito era abrir a discussão. Porém, esta argumentação mostra que a rede social tinha noção de que a plataforma podia ser transformada numa arma perigosa, e aparentemente não tomou medidas para aumentar a transparência e colocar mais mecanismos de segurança e proteção dos dados dos utilizadores. O motivo é o modelo de negócio, que se baseia na monetização dos dados pessoais para fins publicitários. "A verdade feia é que acreditamos tão profundamente em conectar pessoas que tudo o que nos permitir conectar mais pessoas com mais frequência é bom. Esta é talvez a única área em que as métricas realmente contam a história verdadeira", lê-se no memorando. "Não são os melhores produtos que ganham", sublinha. "São os que toda a gente usa."

Definições de privacidade

Antes mesmo do reaparecimento deste memorando, que levantou ainda mais questões sobre a ética interna do Facebook, a rede já tinha anunciado que vai proceder a uma reformulação das suas definições. É mais uma alteração de formato do que de substância. O Facebook vai simplificar os controlos de privacidade, que hoje estão espalhados em vinte localizações diferentes dentro da rede social.

Durante os próximos meses, será feita uma atualização que irá concentrar os controlos numa única página. Erin Egan, diretora de privacidade do Facebook, explicou em comunicado que a intenção é dar aos utilizadores uma visibilidade total sobre o que partilham e ferramentas fáceis de entender para alterar as definições. Não é a primeira vez que o Facebook redesenha as páginas de privacidade devido a críticas, mas desta vez a crise está a ter repercussões sísmicas na empresa.

Isso explica que o CEO da rede social vá testemunhar perante o Congresso norte-americano em abril, numa série de sessões que se antecipam muito duras. Será a primeira vez que Mark Zuckerberg aceita ir ao Congresso dar explicações, o que denota a importância do caso que fez a empresa perder desde meados do mês 77 mil milhões de euros em cotação bolsista (20% do seu valor e praticamente o que a troika emprestou a Portugal em 2011). No ano passado, o Facebook enviou o seu advogado de topo para responder às questões da interferência russa nas eleições presidenciais de 2016, através da compra de anúncios na rede social, disseminação de notícias falsas e personificação de consumidores americanos.

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