Canção da Ucrânia reaviva questões políticas na Eurovisão

Tema sobre deportações de tártaros da Crimeia em 1944 é avaliado. É mais um caso ligado a questões políticas que ensombra o festival

Em 2014, a austríaca Conchita Wurst fazia história ao vencer o Festival Eurovisão da Canção, realizado na Dinamarca. Mas a vitória de um travesti não passava despercebida nos países europeus mais conservadores, levando alguns dos seus dirigentes a proferir palavras contra "a mulher de barba" e a apelidar a Europa de "louca". Depois de um 2015 calmo, o maior certame musical regressa neste ano e, com ele, uma nova controvérsia. Desta vez, é a música da Ucrânia - e a sua intérprete - que está a levantar frenesim.

Susana Jamaladinova, de 32 anos, foi a eleita pelos ucranianos para representar o país na edição deste ano da Eurovisão, que acontece em Estocolmo, na Suécia, entre 10 e 14 de maio. Sob o nome de Jamala, a cantora é uma tártara da Crimeia, grupo étnico muçulmano com um longo histórico como vítima de perseguições. Já a música que vai interpretar intitula-se 1944 e versa sobre Estaline e os tempos em que este desalojou milhares de pessoas da Crimeia. Um dois em um suficiente, que já levou a organização do concurso a explicar que "não são permitidas canções com mensagens políticas ou com fins comerciais".

Ou seja, 1944 - ano em que os tártaros foram enviados, em comboios, por aquele ditador soviético para a Ásia Central e partes remotas da União Soviética (e só na década de 1980 foram autorizados a regressar, tendo 20% a 50% morrido nos dois primeiros anos de exílio) - poderá não passar e a Ucrânia só terá duas hipóteses: ou apresenta outra letra ou desiste de participar no festival - como, aliás, aconteceu em 2009, quando a Geórgia tentou levar ao concurso um tema crítico do atual presidente russo, Vladimir Putin, tendo sido desqualificada por se ter recusado a alterar a letra. A aprovação deste 1944 está nas mãos da União Europeia de Radiodifusão, que até 14 de março anuncia o seu veredicto.

A escolha do tema, cantado em inglês, com a exceção de uma estrofe em turco, não foi inocente. Em declarações ao The Guardian, Jamala explicou que foi a própria quem escreveu a letra e que a sua inspiração foi a família: a bisavó e os seus cinco filhos deportados. "Foi um ano terrível que mudou para sempre a vida de uma mulher frágil, a minha bisavó Nazylkhan. A vida dela nunca mais foi a mesma. Esta música é sobre a minha família", disse ao jornal britânico. Quanto a controvérsias, Jamaladinova realçou que o importante "é lembrar e conhecer esta história". "Quando sabemos, evitamos [que volte a acontecer", justificou.

A cantiga é uma arma

1973: Meses depois do massacre de militares palestinianos a atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de Munique, a cantora Ilanit, que representou Israel no Festival da Eurovisão no Luxemburgo, interpretou o tema Somewhere com um colete à prova de balas debaixo do vestido, em referência à tragédia. O ambiente tenso que se sentia levou o Luxemburgo a reforçar a segurança no certame.

1978: Na edição que ocorreu em Paris, as relações complicadas entre Israel e a Jordânia levaram este país a não exibir a atuação israelita na TV. Em vez de ouvir o tema Abanibi, de Izhar Cohen, a população ficou três minutos a observar... imagens de flores. Ironicamente, foi Israel a vencer a edição desse ano. Resultado? A imprensa jordana afirmou que tinha sido a Bélgica, que tinha ficado em segundo lugar, a vencer.

2000: Após a atuação da banda Ping Pong, a representar Israel, os elementos ergueram bandeiras da Síria, numa tentativa de reconciliação entre os países. Muitos olharam para a demonstração com choque. Soube-se depois que os cantores eram jornalistas e que a Eurovisão foi "uma brincadeira".

2003?: Lena Katina e Yulia Volkova compõem as t.A.T.u., que concorreu pela Rússia ao festival em 2003. As duas raparigas deram que falar desde o primeiro momento, já que fingiram manter uma relação homossexual (soube-se anos depois que não era verdade). Na Rússia, há uma grande oposição à homossexualidade.

2009: O tema da Geórgia, We Don"t Wanna Put It, da banda Stephane and 3G, foi banido da competição por fazer referências políticas, nomeadamente ao conflito entre a Geórgia e a Rússia, que organizava o certame neste ano, e por lançar farpas a Vladimir Putin.

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