"Suas majestades e altezas passam sem novidade em suas importantes saúdes”, pode ler-se no primeiro Diário de Notícias. Mas se naquele 29 de dezembro de 1864 nada de muito relevante se passou com a família real, a verdade é que o jornal, fazendo justiça ao título que lhe foi dado por Eduardo Coelho, o fundador, muitas notícias haveria de dar sobre a monarquia portuguesa, desde esse dia em que D. Luís recusou o trono de Espanha, passando pela coroação de D. Carlos, pelas visitas dos primos inglês (Eduardo VII) e alemão (Guilherme II), pelo regicídio e pelo próprio fim do regime. E com a implantação da República a 5 de outubro a ser naturalmente o título grande na primeira página. O DN até chegou a publicar desenhos de D. Carlos, que assinava Carlos de Bragança..Portanto, este jornal que hoje está a ler, e que celebra 160 anos, nasceu em plena monarquia constitucional e assistiu ao triunfo do movimento republicano, testemunhou também a chegada da ditadura militar e depois do Estado Novo e, claro, cobriu a Revolução que trouxe a democracia: uma histórica segunda edição a noticiar que “eclodiu um movimento militar” com o objetivo de “substituição do atual regime”.São muitas as primeiras páginas emblemáticas, não só da história do país (além das mudanças de regime) como do mundo: ainda na sua primeira redação no Bairro Alto, numa rua dos Calafates que hoje se chama rua do Diário de Notícias, foi noticiado o assassínio do arquiduque Francisco Fernando, também o do presidente Sidónio Pais, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral ou o início da Segunda Guerra Mundial; instalados, entretanto, os jornalistas no edifício-sede na Avenida da Liberdade, desenhado pelo arquiteto Porfírio Pardal Monteiro e vencedor do Prémio Valmor de 1940, noticiou-se a bomba atómica em Hiroxima, o Nobel de Egas Moniz, a morte de Kennedy, também a de Salazar, a primeira visita de um Papa a Portugal, a chegada do Homem à Lua, a entrada na CEE ou a abertura da Expo98; e nestes seus poucos anos nas Torres de Lisboa, o jornal teve já de reportar sobre a tomada de posse de António Guterres como secretário-geral das Nações Unidas, o impacto da Covid-19 ou a invasão da Ucrânia pela Rússia.Ilustrações impressionantes como a que preenche a primeira página com a morte da rainha Vitória, fotos únicas como as da primeira Volta a Portugal em bicicleta (organizada pelo DN, em 1927), de Eva Péron a conversar com Salazar e Carmona, de Isabel II a desembarcar no Cais das Colunas e de Eusébio a chorar no Mundial de 1966, desenhos humorísticos de Stuart de Carvalhais e Bordallo Pinheiro ou infografias a explicar o 11 de Setembro fazem parte da história do mais antigo jornal diário de expansão nacional. Como também fazem parte milhares e milhares de notícias, entrevistas, reportagens e análises. São quase 57 mil números. E esta edição de hoje, tecnologia à parte, foi fechada tal como há 160 anos se fechou a primeira, que trazia na primeira página um editorial que ainda hoje é muito citado: O DN queria ser “compreensível a todas as inteligências”.O êxito do jornal idealizado pela dupla Eduardo Coelho, primeiro diretor, e Tomás Quintino Antunes, dono da Tipografia Universal, foi imediato. O jornal, apregoado nas ruas pelos ardinas, trazia notícias (muitas), e era mais barato (muito) do que a concorrência, graças ao caderno de classificados, onde vinham os anúncios do “preciso emprego”, “arrendo casa” ou “procuro senhora para compromisso sério”.O preço, aliás, não era um pormenor no plano de negócios dos fundadores. Dez réis equivaliam ao custo de um ovo! Por isso, o mesmo editorial que fala de “ser compreensível a todas as inteligências” diz que o DN quer “ser acessível a todas as bolsas”. Um êxito mensurável nas vendas crescentes, mas também no reconhecimento nacional e internacional. Quando em 1867 foi abolida a pena de morte, o grande romancista francês Vitor Hugo enviou a Eduardo Coelho para ser publicada no jornal a carta onde elogiava o pioneirismo português: “Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história.” A França, cujo Petit Journal inspirou Eduardo Coelho, tem um papel curioso na história do DN, pois Augusto de Castro, outro diretor marcante (três vezes, num total de 35 anos), chegou a criar o Paris Notícias em 1921, no seu primeiro consulado..Eduardo Coelho é um nome essencial do DN, e a cidade de Lisboa homenageou-o com o busto que está no jardim de São Pedro de Alcântara, inaugurado em 1904, quando o genro, Alfredo da Cunha, era o diretor. Mas há outras figuras incontornáveis, cuja história se cruza com a do jornal: Eça de Queiroz, que aqui publicou quatro reportagens sobre a inauguração do Canal do Suez e depois, em parceria com Ramalho Ortigão, o folhetim O Mistério da Estrada de Sintra; Wenceslau de Moraes, cônsul em Kobe e correspondente no Japão; Manuela de Azevedo, a primeira mulher jornalista, notável a escrever sobre artes mas também a fazer reportagem sobre a caça à baleia. E, claro, António Ferro, famoso pela entrevista a Hitler mas que também andou em reportagem pelos Estados Unidos e até chegou a ser recebido na Casa Branca, e José Saramago, diretor-adjunto que mais tarde foi Nobel da Literatura.Ferro, que numa fase da vida dirigiu a propaganda salazarista, e Saramago, que anunciou à redação que queria pôr o DN “ao serviço do povo português, para a construção do socialismo”, são nomes longe de serem consensuais, cada um refletindo, contudo, uma época. Como a história do DN reflete ela própria as épocas que o país foi atravessando desde meados do século XIX, basta pensar que o jornal foi submetido durante décadas à censura prévia, mas que no início da ditadura, noticiando uma intentona falhada, foi suspenso uns dias e o diretor Eduardo Schwalbach substituído interinamente por um militar. Já em plena democracia, o jornal fez do pluralismo uma das bandeiras e é simbólico que figuras como Mário Soares e Adriano Moreira tivessem escrito análises no jornal até ao fim da vida, tal como Saramago, reconciliado com o DN após o Nobel, passou a publicar aqui como crónica os Cadernos de Lanzarote.Já falámos da primeira Volta a Portugal, mas podiamos também falar da Árvore de Natal no cinema São Jorge ou das Construções na Areia, iniciativas do DN que marcaram gerações. Há hoje ruas e bairros do Diário de Notícias espalhadas pelo país, reflexo da notoriedade do jornal ou de alguma intervenção social. E ainda há dias, a RTP emitiu o Natal dos Hospitais, programa que vem dos primórdios da televisão pública mas que existe desde 1944, quando foi criado pelo DN e teve Vasco Santana e Mirita Casimiro como estrelas. Poderíamos ainda sublinhar como o jornal faz parte do imaginário português, surgindo repórteres ficcionais em inúmeros romances que tratam dos últimos 160 anos, a sua antiga livraria no Rossio (com inconfundíveis as letras góticas a dizer Diário de Notícias) aparece num filme do 007 e a saga de Maria Adelaide, filha do fundador, que se opôs à venda do jornal pelo marido, já originou livros e deu o argumento ao filme Ordem Moral, com Maria de Medeiros. Talvez um dia alguém até faça um filme sobre o dia em que as FP-25 de Abril assaltaram o edifício do DN na Avenida da Liberdade, de metralhadora em riste, e saíram com os 15 mil contos destinados aos salários.De todos os suplementos do DN há um que inspira especial carinho, até porque do cardeal Tolentino de Mendonça a Tiago Rodrigues, diretor do Festival d’Avignon, muitos nomes hoje sonantes escreveram nele. Falo do DN Jovem, que na era antes dos blogues premiava os jovens talentosos na escrita com a publicação dos textos num jornal nacional. Os escritores José Eduardo Agualusa e José Luís Peixoto, ou o poeta Pedro Mexia, estão entre esses valores que foram descobertos por Manuel Dias, jornalista que era a alma do suplemento.Recordo uma ministra contar entusiasmada que também já tinha publicado no nosso jornal! E de como todas as terças-feiras, “logo de manhãzinha”, ia comprar o DN para ver se o DN Jovem trazia o texto. “Era uma grande alegria quando saía”, sublinhou.Os jornalistas do DN testemunham muitas vezes este apego emocional ao jornal, seja de alguém que confessa que comprou a primeira casa graças a um dos nossos pequenos anúncios, ou o pai que telefona a pedir a página onde foi noticiada a vitória do filho num dos concursos Construções na Areia, uma página com a fotografia de um miúdo que agora é um arquiteto de 50 anos a viver em Londres! E um dia, ainda no n.º 266 da Avenida da Liberdade, recebemos um embaixador de um país do ex-Pacto de Varsóvia que, emocionado, contou que quando estudava português na Universidade de Relações Internacionais em Moscovo, na União Soviética, lia sempre o DN, mas precisava de autorização especial.São tantas e tantas a histórias de um jornal que nasceu no século XIX que é impossível contá-las todas. Terminamos, pois, com uma que tem muito que ver com a ideia do jornal, desde que nasceu, estar ao serviço do leitor: em 1880, nos 300 anos da morte de Luís de Camões, o DN distribuiu 30 mil exemplares de Os Lusíadas aos seus leitores, oferecendo também exemplares a mais de três mil escolas do reino, mais uma revolucionária iniciativa de Eduardo Coelho, o inventor do jornalismo moderno português.