"Sol do Apocalipse", peça litúrgica única em Portugal, mostra-se no domingo em Mafra
A procissão, promovida pela Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra (RVISSM), realiza-se no quarto domingo da Quaresma, do calendário católico, no próximo dia 31, e "é enriquecida com diversos objetos artístico-religiosos verdadeiramente notáveis", dos quais se "destaca o denominado 'Sol do Apocalipse', uma peça de latão dourado, da oficina de António Rodrigues do Leão, de 1740", segundo a irmandade.
Sobre a peça, a RVISSM, afirma que, "a par de outras, só pode ser vista um dia por ano na Basílica de Mafra", pois a irmandade "não dispõe de condições para expor o seu precioso espólio".
O "Sol do Apocalipse" abre a procissão ladeado por dois anjos e precedido pela "Cruz de Penitência", uma cruz que D. João V mandou vir de Roma em 1740 e que ainda hoje é transportada por um só homem, "e que se presume seja a maior cruz de penitência do mundo em uso regular", segundo nota da RVISSM enviada à agência Lusa.
De acordo com a mesma fonte, o protocolo da procissão "respeita as normas estabelecidas por frei Matias da Conceição, que foi quem idealizou a procissão em 1740, que era à época bibliotecário do Convento de Mafra".
Nos anos em que a chuva não permite a saída da procissão, esta decorre dentro da basílica.
A conceção do "Sol do Apocalipse" foi idealizada pelo religioso franciscano, pretendendo "agradar o gosto do soberano, que tinha um particular interesse pela liturgia arménia".
"Atendendo a esta particularidade, pode considerar-se que esta peça é uma peculiaridade nacional, que não poderá ser encontrada em outras procissões de matriz católica no resto do mundo", sublinhou a irmandade.
Incorpora também a procissão uma imagem de S. Francisco de Assis, do escultor Manuel Dias, que foi recentemente alvo de uma intervenção de conservação e restauro em Lisboa.
Foi "a primeira vez, desde 1740", que a imagem saiu de Mafra desde que foi esculpida, indicou a mesma fonte.
A imagem de S. Francisco de Assis é "considerada uma das melhores representações escultóricas do santo para aquele período cronológico", lê-se na nota da RVISSM.
Segundo o conservador-restaurador André Varela Remígio, "a escultura de São Francisco de Assis recebendo as chagas do andor de Cristo de Montalverne da Procissão da Ordem Terceira de São Francisco, executada pelo importante escultor Manuel Dias em 1740, apresentava-se em muito mau estado de preservação, devido à sua utilização nas procissões ao longo dos anos, e várias intervenções posteriores, algumas de muito má qualidade".
"O tratamento de conservação e restauro efetuado pelo ateliê Santo André - Conservação e Restauro de Bens Culturais teve como objetivo estabilizar a escultura em termos químicos e físicos, bem como restituir a dignidade que está escultura merece", afirmou à Lusa Varela Remígio.
O conservador acrescentou que foram "refeitos elementos em falta, aperfeiçoados outros acrescentados posteriormente, removidos repintes e as lacunas de policromia integradas cromaticamente, entre várias outras operações".
A criação da RVISSM remonta ao século XVI e tem sede na igreja de Santo André de Mafra.
A primeira referência documental à RVISSM data de 14 de março de 1597 e dá conta de uma "verba do testamento de Jorge Rodrigues" de 1.1000 reais para dar à "Confraria do Santo Sacramento".
O mais antigo documento da irmandade é o "compromisso de 5 de junho de 1725".
Em 1835, após a extinção das ordens religiosas, a sede da RVISSM passou para a Basílica de Nossa Senhora e Santo António, em Mafra, tendo sido instalada no antigo corredor dos noviços, a convite da rainha D. Maria II.
Em 1866 recebeu do então governo civil o espólio da extinta Venerável Irmandade de Penitência da Ordem Terceira de São Francisco e, mais tarde, recebeu também o da extinta Irmandade do Senhor dos Passos de Mafra.
Em 1953, após o regresso da procissão das Sete Dores de Nossa Senhora, foi entregue à irmandade "o espólio e a responsabilidade pela organização anual da procissão".