Sob a forma de reminiscências autobiográficas ou de pequenas narrativas históricas de teor filosófico, estão patentes nesta seleção de ensaios os grandes temas do escritor: o significado da História, a existência do mal, a transitoriedade da vida, e a ascensão global e generalizada da visão científica do mundo em detrimento da imaginação religiosa..Publicado este mês, em Portugal, pela Cavalo de Ferro, "A minha intenção" colige uma amostra da produção ensaística daquele que é tido como um dos maiores poetas e escritores do século XX, distinguido com vários prémios literários, entre os quais o Prémio Internacional de Literatura Neustadt, em 1978, e, dois anos mais tarde, o Prémio Nobel da Literatura..Estes textos percorrem uma parte substancial da bibliografia do escritor, desde os anos cinquenta até praticamente à sua morte, revelando a enorme diversidade de temas e de géneros de que o autor se serviu para descrever a sua particular visão do mundo..Desde a natureza do que é ser europeu até reflexões sobre religião, filosofia e política, Czeslaw Milosz imprime em cada linha destes ensaios a sua análise incisiva e pessoal, deixando transparecer a evolução do seu estilo e da sua personalidade..Uma das suas obras mais conhecidas é "A mente aprisionada", também editado em Portugal pela Cavalo de Ferro, uma análise do regime comunista polaco, hoje considerado um clássico e uma obra fundamental no estudo do totalitarismo, mas polémica à data da sua publicação, em 1953..Contudo, a produção ensaística não se cinge a "projetos cuidadosamente construídos na sua estrutura e coerência temática", refere uma nota à edição de "A minha intenção"..Czeslaw Milosz privilegiou também formas mais livres e breves, sobretudo nas obras mais tardias, tendo cultivado géneros como o retrato biográfico, o registo diarístico, a reminiscência autobiográfica, a crítica literária ou o aforismo..Estes estilos estão presentes nos ensaios que compõem "A minha intenção" e que percorrem a linha temporal que vai dos seus primeiros escritos até aos mais recentes, como "A Felicidade", de 1998, no qual o autor reflete sobre a felicidade -- e a sua felicidade -- recuando à infância..Durante esse período, o autor viveu uma situação de exílio, que o levou a passar do regime comunista da Polónia ao regime capitalista dos Estados Unidos e que o levou a afastar-se do seu "publico-leitor natural, o único capaz de entender completamente a subtileza e complexidade das suas imagens", destaca a nota introdutória do livro..Este dilema do autor está patente no ensaio "Notas sobre o exílio", que data de 1976..Desta seleção de textos, constam também esboços autobiográficos ou biográficos de pessoas representativas na vida de Milosz e que retratam acontecimentos históricos que o escritor testemunhou, como é o caso de "Viagem ao Ocidente" (1959), ensaio que abre o livro, e "A abadessa" (1990)..Por outro lado, textos como "A importância de Simone Weil" (1960), "Chestov, ou a pureza do desespero" (1977), "Ensaio no qual o autor confessa que, à falta de melhor, alinha pelo Homem" (1969) representam o diálogo do escritor com ideias e autores com os quais partilha os mesmos valores, nomeadamente teológicos.."Contra a poesia incompreensível" (1990) é um ensaio que evidencia a posição de Czeslaw Milosz acerca das obrigações da poesia..Com esta edição de "A minha intenção", pretendeu-se dar uma "amostra significativa da enorme variedade de géneros e estilos que compõem a vasta obra não ficcional" do autor, explica a nota introdutória à obra..Czeslaw Milosz nasceu em 1911 na Lituânia, ainda sob o império do Czar da Rússia, mas mudou-se com a família para Vilna, na Polónia..Encontrava-se em Varsóvia durante a ocupação nazi da cidade, em 1939, tendo publicado a sua poesia em círculos literários clandestinos..Milosz sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e testemunhou a devastação da cidade e do seu país..Em 1951, dissidente do novo regime comunista polaco, obteve exílio político em Paris, remontando a este período a publicação daqueles que são considerados dois dos mais notáveis e influentes volumes de ensaios da sua vasta obra: "A mente aprisionada" e "Native Realm" (1958)..Em 1969 emigrou para os Estados Unidos, onde, um ano depois, aceitou o convite para lecionar em Berkeley, na Califórnia..Na atribuição do Prémio Nobel da Literatura, a academia destacou a "intransigente clarividência com que expôs a vulnerável condição do homem num mundo de graves conflitos"..Morreu em Cracóvia, em 2004, mas durante a sua existência "experienciou todos os infernos que o século XX foi capaz de produzir, mas também, por vezes, viveu o paraíso. E, como Dante, capturou-os para nós", escreveu o jornal The Sunday Times..Deste autor foram ainda publicados em Portugal "A tomada do poder", pela D. Quixote, em 1987, e "Versos polacos", numa edição da Faculdade de Letras, de 1985.