Maio de 68: Português viveu crise em Paris a pensar em agosto de 68 na Covilhã

Paris, 25 abril (Lusa) - Em maio de 68, enquanto ajudava a preparar uma tentativa de derrube do fascismo em Portugal, Armando Ribeiro foi a manifestações, conquistou militantes portugueses nos bairros-de-lata e participou na ocupação da Casa de Portugal em Paris.
Publicado a
Atualizado a

O português chegou à capital francesa em março de 1964 e foi um dos fundadores da Liga de Unidade e Acção Revolucionária (LUAR), que se começou a formar em 1966, em Paris, com aqueles que "achavam que não valia a pena perder tempo com discussões teóricas porque não era assim que se derrubava o fascismo".

No fulgor "pré-revolucionário" que agitava a França, Armando Ribeiro "estava com um pé em cada lado" porque preparava a operação de transporte de armas de Praga para Portugal para a tentativa de tomada da Covilhã, em agosto de 1968.

"De Praga a Paris são mil quilómetros, de Paris ao Porto ou a Lisboa são 1700 ou 1800, praticamente dois mil quilómetros. São 3.000 quilómetros a transportar as armas sem nunca ter sido nada apreendido. Três mil quilómetros é metade da circunferência da terra. As pessoas não se dão conta do trabalho e da casmurrice que foi porque íamos comprar armas a um país comunista", recordou.

Um ano depois de ter ajudado a preparar o assalto ao banco de Portugal na Figueira da Foz, em maio de 1967, sob a liderança de Hermínio da Palma Inácio, Armando Ribeiro trabalhava à noite no 'PBX' de um prédio parisiense e, de dia, estudava e ia aos cafés históricos do Quartier Latin, onde acabou por se envolver em várias ações de maio de 68.

"A LUAR participou diretamente em maio de 68. Participámos na ocupação da Casa de Portugal, depois ajudámos os brasileiros - que eram poucos - na Casa do Brasil e, depois, em manifestações de rua", lembrou, acrescentando que houve manifestações onde esteve com Palma Inácio.

Os portugueses iam aos cafés "Le Luxembourg", "Capoulade" e "Mahieu" - este último "onde ia o Ayala, o homem de confiança do general Humberto Delgado" - e Armando e os seus amigos estavam no "Luxembourg" quando "começaram a ser queimados os primeiros carros", entre a Rue Soufflot e a Rue Gay-Lussac.

"Participámos todos. Fomos todos para a rua. Lembro-me que andavam todos ali, uns a fugir à polícia, depois a polícia também fugiu que não estava preparada para aquilo. Depois era carros a arder de um lado e do outro", recordou, sublinhando que "toda a gente participou, mesmo os que não participavam foram obrigados a participar".

Na ocupação da Casa de Portugal, na Cidade Universitária, Armando Ribeiro colocou "a bandeira vermelha no alto da Casa" com "o Miguel brasileiro".

Num dossier da PIDE, de 1 de abril de 1969, guardado na Torre do Tombo, em Lisboa, além do cantor José Mário Branco e do argumentista/realizador Carlos Saboga, Armando Ribeiro está entre os "nomes de alguns dos principais responsáveis pelos distúrbios verificados na Casa dos Estudantes Portugueses na Cidade Universitária de Paris".

"A gente ocupou perfeitamente a casa e tudo. Foi relativamente pacífica", contou, lembrando que eram "para aí uns 20" e que houve armas: "Ai houve! Houve lá tipos que nem sabiam bem manejar as armas e que deram tiros para o chão, mas não foi para matar ninguém, foi porque não sabiam manejar bem. E eram armas velhas que a gente tinha conseguido nos ?bidonvilles'."

É que em maio de 68, Armando Ribeiro também participou na "coisa utópica que era ir buscar operários ao 'bidonville' de Saint-Denis e de Champigny" e conseguiu até alguns "que trabalhavam nas obras e que trouxeram dinamite" porque "se o General de Gaulle foi à Alemanha ver o General Massu é porque havia uma forte probabilidade de haver uma revolução".

"A França estava paralisada. Estava-se num período pré-revolucionário que depois não deu nada. Mas isso soube-se depois, não se soube antes. Portanto, a ideia de ir buscar dinamite era que ia haver atos de violência", continuou.

Durante as greves, Armando e outros camaradas foram à Bélgica buscar gasolina que "muitas vezes não era para os carros, era para fazer os 'cocktail molotov' para as manifestações" e aproveitavam para "trazer cigarros para a malta que ocupava a Casa de Portugal".

O português também foi ao anfiteatro da Sorbonne que "era como um campeonato de futebol" porque "a malta ia ali para contestar", com "o Rocard que vinha de gravata, a malta não o deixava falar e ele tirava a gravata" ou com o "Jean Paul Sartre que foi posto na rua", entre outros episódios.

Da Sorbonne, recorda, ainda, uma sala que "era uma espécie de hospital", com "uma espécie de serviço farmacêutico e de ajuda às pessoas que estavam na rua" e que tinham inalado gás lacrimogéneo e andado em confrontos com a polícia.

O tempo passou a correr e, em agosto de 1968, estava tudo a postos para a tentativa de tomada da Covilhã, mas a operação acabaria por ser abortada com a prisão de sete elementos da LUAR, incluindo Palma Inácio, e a retirada em grupo dos restantes, entre os quais Armando Ribeiro que ainda hoje vive na região de Paris.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt