Livro de Vasco Curado faz 48 "retratos em carne viva" da guerra colonial
O livro, editado pela Guerra e Paz e colocado esta semana nas livrarias, é uma coleção de menos de meia centena de relatos, contados na primeira pessoa, de soldados anónimos com histórias de dor e trauma, sem considerações morais, ou "sem dourar a pílula", como diz o escritor, "sem grandes juízos morais".
"Pretendi revisitar uma parte da nossa história, importantíssima que ainda queremos recalcar e reprimir, por várias razões. O livro visa contribuir para contrariar esse esquecimento geral", disse à Lusa este "escritor de vocação e psicólogo de profissão", que assina com "Declarações de Guerra" o seu sexto livro.
Vasco Luís Curado trabalhou durante dez anos num hospital militar e entre as 48 histórias que traz, que podem ser lidas aleatoriamente, escolhe uma, a de combatente que foi gravemente ferido com estilhaços de uma granada de morteiro, para ilustrar eventuais lições a retirar da leitura deste texto, que nunca assume essa pretensão.
Esse combatente ficou com mais de 70 estilhaços no corpo, foi operado e retiraram-lhe os fragmentos maiores. Quanto aos mais pequenos, os médicos disseram-lhe que iriam ser expulsos pelo próprio corpo.
"Ao longo de 30 anos, o organismo dele foi expulsando pequenos fragmentos, mínimos, dos estilhaços da granada. De modo que, mesmo que ele quisesse esquecer os acontecimentos que viveu, era o próprio corpo que se encarregava de não o deixar esquecer", disse.
"De certa forma, suava pólvora, ou exsudava pólvora. Isto durante 30 anos. Ele sentia uma picada na mão ou na perna, parecia um ponto negro, ele esfregava e aquilo era um pó, parecia uma pólvora", contou Vasco Curado.
"Este indivíduo era caçador e quando regressou da guerra foi à caça com o irmão e um amigo. De repente, no meio da mata, algures na província portuguesa, sentiu uma ansiedade enorme e pensou: 'vou matar o meu irmão e o meu amigo. Faço aqui uma emboscada e mato-os já.' Para não o fazer, retirou todas as munições da caçadeira e não disparou um único tiro".
A história do combatente que transpirava pólvora lembra metaforicamente a Vasco Curado "o crime ancestral do homem, que é o de matar o próprio irmão". "Todos nós vimos daí, de Caim e Abel", diz o escritor.
Foi o que fizeram "estes homens, que foram mandados para África no serviço militar obrigatório, para matar alguém que supostamente era muito diferente", acrescentou.