Guiné-Bissau/Eleições: Ex-dirigente da ONU Carlos Lopes elogia sentimento democrático
O guineense Carlos Lopes, que foi adjunto do secretário-geral das Nações Unidas, afirmou hoje que o povo da Guiné-Bissau tem a tradição de eleições pacíficas, mas sublinhou que "muitas vezes, os políticos não correspondem às espectativas".
"Nós temos uma tradição na Guiné-Bissau de ter eleições pacíficas, e essa é a parte que corresponde ao comportamento popular. Os guineenses gostam da democracia, gostam da festa da democracia, gostam de participar em eleições, têm taxas de participação muito elevadas e têm uma grande adesão dos jovens a essas formas de representatividade", disse à Lusa o antigo responsável da ONU.
Carlos Lopes falou à margem da Conferência "África em transformação: desenvolvimento económico em tempos de incerteza", inserida no 1.º Ciclo Internacional de Conferências em Ação Humanitária, promovido pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa (IUL) e em que participou.
Ainda assim, o antigo responsável da ONU, que também é professor na Escola Nelson Mandela de Governança Pública da Universidade de Cape Town, África do Sul, considera que a alegria dos eleitores não é correspondida por parte dos políticos.
"Infelizmente, os nossos políticos líderes, muitas vezes não correspondem às espectativas. Há exceções, mas uma boa parte pensa que isto é uma espécie de batalha campal", referiu o economista.
"Como não podem exercer essa batalha durante o período em que decorre as eleições, normalmente deixam isso para depois, e há uma grande dificuldade em respeitar resultados", acrescentou.
O antigo secretário executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África não critica as contestações, mas considera que as respostas jurídicas devem ser aceites.
Carlos Lopes acrescenta que, embora ineficiente, o processo eleitoral foi limpo, e aponta para as "suficientes garantias da observação internacional".
Na opinião do economista, a deficiência na atualização atempada dos cadernos eleitorais, que afetou parte da população guineense, "não foi com más intenções nem com intuitos de manipulação".
Questionado sobre a possibilidade destas diferenças afetarem a relação entre o povo guineense e a sua participação na vida política, Carlos Lopes diz existir "uma certa desilusão com o sistema político".
"Há muita personalização e pouca institucionalização. As instituições devem fazer o seu trabalho, normalmente quer-se ter muito protagonismo pessoalizado. Acho que isso é mau, mas acho que é um reflexo um pouco da debilidade institucional do país", concluiu.
Os resultados eleitorais das eleições legislativas de domingo indicam que o Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC) alcançou 47 mandatos, o Madem-G15 27, o Partido da Renovação Social (PRS) 21, a Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU/PDGB) 5, a União para Mudança (UM) e o Partido da Nova Democracia (PND), um deputado, cada um.
O PAIGC já anunciou um acordo de incidência parlamentar para governar com a APU/PDGB, UM e PND, pelo que deverá garantir apoio da maioria dos deputados eleitos.
O segundo e o terceiro partido, Madem e PRS respetivamente, celebraram igualmente um acordo parlamentar.
A Guiné-Bissau vive desde 2015 uma crise política, que teve início com a demissão de Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, do cargo de primeiro-ministro, depois de o partido ter vencido as eleições de 2014 com maioria.
Desde então foram nomeados vários primeiros-ministros.
Domingos Simões Pereira deverá ser indicado como primeiro-ministro, mas agora apenas com o apoio de uma maioria relativa.