"É o ápice de uma situação profundamente lamentável", declarou à Lusa Cardozo, ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff (2011 a 2016) e ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT, o mesmo de Lula da Silva). .José Eduardo Cardoso falou à margem do 6.º Congresso Internacional de Direito "Desafios da Justiça e da Sociedade num Mundo Globalizado", que se realiza hoje, em Lisboa. ."Há todo um conjunto de situações que antecede este impasse, desta situação lamentável em que vemos um juiz a dizer que não se deve cumprir a ordem de um outro juiz de uma instância superior, e outro vindo a revogar a decisão, independente do mérito daquilo que foi decidido", disse Cardozo..O juiz Rogério Favreto aceitou no domingo de manhã um 'habeas corpus' apresentado por um grupo de deputados que apoia Lula da Silva, preso desde o último dia 07 de abril no âmbito do caso do apartamento duplex, e ordenou a sua "libertação imediata"..Este juiz estava em serviço no Tribunal Regional da Quarta Região (TRF-4), tribunal de segunda instância com sede em Porto Alegre, que em abril negou os últimos apelos de Lula da Silva e ordenou a sua prisão..A decisão de Favreto foi questionada pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelo processo contra o ex-Presidente brasileiro em primeira instância, e posteriormente revogada pelo juiz João Gebran Neto, relator do caso no TRF-4..Mesmo assim, Favreto insistiu e ditou uma nova ordem de libertação para Lula da Silva, que deveria ter sido cumprida no domingo, mas estas diferenças foram finalmente resolvidas pelo presidente do TRF-4, Carlos Thompson Flores..Depois de quase dez horas de embate judicial, Thompson Flores decidiu que, diante do "conflito de competências", valeria a decisão de Gebran Neto de negar a libertação de Lula da Silva.."O Presidente Lula foi condenado num processo sem nenhuma prova efetiva (no caso do duplex). Foi um processo acelerado, comprovadamente e com clara inspiração política", declarou..Para Cardozo, "a Constituição brasileira deixa claro que a presunção de inocência existe até o trânsito em julgado. Pode-se discordar disso, dizer que é errado, agora, a Constituição é clara, ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado". ."A suprema corte brasileira (Supremo Tribunal Federal/STF) por uma maioria de voto, e eu discordo (da decisão), acabou simplesmente por entender que a presunção de inocência não é até o trânsito em julgado, mas que se aplica de imediato a execução de uma sentença condenatória em segunda instância", sublinhou..O ex-ministro considera que "o Brasil passa por momentos muito difíceis" e que "na base disso, existe uma tempestade que se iniciou com o processo 'impeachment' de Dilma Rousseff (em 2016)".."Ali, as instituições começaram a ficar abaladas e ninguém mais sabe se colocar no seu lugar institucional, incluindo o próprio poder judiciário", afirmou José Eduardo Cardozo.